terça-feira, 6 de janeiro de 2015

O combate à pobreza como falha de mercado

Certa vez, quando ainda fazia graduação em Economia, ocorreu comigo e um colega de faculdade um episódio bastante interessante. Nós voltávamos para casa e eu dava carona para esse meu colega. Parados no trânsito, uma garotinha se aproximou de nós para pedir esmola. Não me lembro se dei alguma coisa ou não, mas me lembro que fiz um comentário. Algo do tipo, que país injusto, o governo deveria fazer alguma coisa por essas pessoas. Meu amigo era um defensor canino do liberalismo econômico. Eu já não era mais marxista, concordava com a economia de mercado e tudo mais. Mas meu singelo comentário despertou a fúria em meu amigo, que me chamou de socialista e me acusou de querer fazer caridade com dinheiro alheio. Num primeiro momento, tentei argumentar, mas, quando percebi que ele ficava cada vez mais nervoso, deixei para lá. Prefiro ter paz a ter razão.

Pobreza, um problema complexo

Tempos depois, li no livro Introdução à Economia, de Gregory Mankiw, um exemplo que tem muito a ver com esse episódio. Antes de tudo, convém deixar claro. Mankiw é um economista neoclássico, professor da universidade de Havard e sem nenhuma simpatia por idéias socialistas.

Nesse livro, Mankiw argumenta que o combate à pobreza pode ser interpretado como uma falha de mercado. A idéia é simples. Existem situações em que o mercado falha e nesses casos a intervenção governamental se faz necessária. Um exemplo fácil de entender é a poluição. Na linguagem que só os economistas compreendem, poluição é uma externalidade negativa. Uma empresa poluidora impõe um ônus à sociedade e não paga nada por isso. Se o governo não impuser algum tipo de restrição, o problema não se resolverá naturalmente pelas forças de mercado.

Muito bem, o combate a pobreza é uma falha de mercado? Segundo Mankiw, sim. Pelas mais diferentes razões, a maioria das pessoas não gosta da pobreza. Alguns a consideram triste e degradante. Outros associam pobreza com violência, roubos e tráfico de drogas. Alguns detestam a desordem provocada por indigentes, tais como acampamentos improvisados, lixo espalhado pela rua, calçadas sujas etc. Mas, se nada disso o convenceu, há um argumento que é quase irresistível. Pessoas pobres, de modo geral, têm menos escolaridade, são menos informadas e tendem a escolher mal seus representantes políticos. Conclusão, a maior parte das pessoas está disposta a abrir mão de uma parte de sua renda para combater a pobreza.

O tal do meu amigo, a quem me referi no início do texto, entre outras coisas, me disse. Se você quer fazer caridade, faça com seu dinheiro. O grande problema, porém, é que a caridade privada não é um bom instrumento de combate à pobreza. Essa é uma daquelas situações em que o mercado falha, por que trata-se de um bem não excludente. Ou seja, alguém pode pegar carona, beneficiar-se sem estar contribuindo.

Vejamos um exemplo. Eu sou a favor do combate à pobreza e estou disposto a contribuir voluntariamente com dez reais por mês para resolver esse problema. João, Maria, Paulo e mais algumas centenas de milhares de pessoas pensam da mesma forma. Resolvemos, então, nos associar em prol desse objetivo comum. Depois de um tempo, faço a seguinte reflexão. Meus dez reais não são tão fundamentais assim. Vou deixar de contribuir e usufruir dos benefícios de uma sociedade livre de pobres sem ter de pagar nada por isso. Depois disso, João, Maria, Paulo e mais algumas milhares de pessoas tomam a mesma decisão. Por fim, tem-se o desbaratamento total da bem intencionada associação. Conclui-se, a partir desse exemplo, que a caridade privada não é um instrumento eficiente de combate à pobreza. Se as pessoas querem, de fato, solucionar esse problema, terão de recorrer ao poder coercitivo do Estado. Com certeza, meu amigo liberal empedernido simplificou demais os fatos e não foi capaz de perceber toda a sutileza dessa questão. Sejamos liberais, mas que não nos falte o bom senso.

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