Certa vez,
quando ainda fazia graduação em Economia, ocorreu comigo e um colega de
faculdade um episódio bastante interessante. Nós voltávamos para casa e eu dava
carona para esse meu colega. Parados no trânsito, uma garotinha se aproximou de
nós para pedir esmola. Não me lembro se dei alguma coisa ou não, mas me lembro
que fiz um comentário. Algo do tipo, que país injusto, o governo deveria fazer
alguma coisa por essas pessoas. Meu amigo era um defensor canino do liberalismo
econômico. Eu já não era mais marxista, concordava com a economia de mercado e
tudo mais. Mas meu singelo comentário despertou a fúria em meu amigo, que me
chamou de socialista e me acusou de querer fazer caridade com dinheiro alheio.
Num primeiro momento, tentei argumentar, mas, quando percebi que ele ficava
cada vez mais nervoso, deixei para lá. Prefiro ter paz a ter razão.
Pobreza, um problema complexo
Tempos
depois, li no livro Introdução à Economia, de Gregory Mankiw, um exemplo que
tem muito a ver com esse episódio. Antes de tudo, convém deixar claro. Mankiw é
um economista neoclássico, professor da universidade de Havard e sem nenhuma
simpatia por idéias socialistas.
Nesse
livro, Mankiw argumenta que o combate à pobreza pode ser interpretado como uma
falha de mercado. A idéia é simples. Existem situações em que o mercado falha e
nesses casos a intervenção governamental se faz necessária. Um exemplo fácil
de entender é a poluição. Na linguagem que só os economistas compreendem,
poluição é uma externalidade negativa. Uma empresa poluidora impõe um ônus à
sociedade e não paga nada por isso. Se o governo não impuser algum tipo de
restrição, o problema não se resolverá naturalmente pelas forças de mercado.
Muito bem,
o combate a pobreza é uma falha de mercado? Segundo Mankiw, sim. Pelas mais
diferentes razões, a maioria das pessoas não gosta da pobreza. Alguns a
consideram triste e degradante. Outros associam pobreza com violência, roubos e
tráfico de drogas. Alguns detestam a desordem provocada por indigentes, tais
como acampamentos improvisados, lixo espalhado pela rua, calçadas sujas etc. Mas,
se nada disso o convenceu, há um argumento que é quase irresistível. Pessoas
pobres, de modo geral, têm menos escolaridade, são menos informadas e tendem a
escolher mal seus representantes políticos. Conclusão, a maior parte das
pessoas está disposta a abrir mão de uma parte de sua renda para combater a
pobreza.
O tal do
meu amigo, a quem me referi no início do texto, entre outras coisas, me disse.
Se você quer fazer caridade, faça com seu dinheiro. O grande problema, porém, é
que a caridade privada não é um bom instrumento de combate à pobreza. Essa é
uma daquelas situações em que o mercado falha, por que trata-se de um bem não excludente.
Ou seja, alguém pode pegar carona, beneficiar-se sem estar contribuindo.
Vejamos um
exemplo. Eu sou a favor do combate à pobreza e estou disposto a contribuir
voluntariamente com dez reais por mês para resolver esse problema. João, Maria,
Paulo e mais algumas centenas de milhares de pessoas pensam da mesma forma.
Resolvemos, então, nos associar em prol desse objetivo comum. Depois de um
tempo, faço a seguinte reflexão. Meus dez reais não são tão fundamentais assim.
Vou deixar de contribuir e usufruir dos benefícios de uma sociedade livre de pobres
sem ter de pagar nada por isso. Depois disso, João, Maria, Paulo e mais algumas
milhares de pessoas tomam a mesma decisão. Por fim, tem-se o desbaratamento
total da bem intencionada associação. Conclui-se, a partir desse exemplo, que
a caridade privada não é um instrumento eficiente de combate à pobreza. Se as
pessoas querem, de fato, solucionar esse problema, terão de recorrer ao poder
coercitivo do Estado. Com certeza, meu amigo liberal empedernido simplificou demais os fatos e não foi capaz de perceber toda a sutileza dessa questão. Sejamos liberais, mas
que não nos falte o bom senso.
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