Durante a gestão do
presidente Fernando Henrique Cardoso, costumava-se dizer que os tucanos estavam
divididos. Havia o grupo dos desenvolvimentistas ou heterodoxos e o grupo dos
monetaristas ou ortodoxos. Essa discussão ficou esquecida por anos, mas,
recentemente, voltou ao centro do debate político/econômico nacional. Porém o
que significa monetarismo, desenvolvimentismo e o que isso tem a ver com o
momento que estamos vivendo? É sobre isso que eu vou tratar aqui nesse post.
Dilma: pensamento enigmático
O referido debate remete a
duas grandes tradições na interpretação do processo de desenvolvimento
econômico. A tradição liberal, cujo grande patriarca é Adam Smith (1723-1790), entende
que as forças de mercado funcionando livremente, sem interferência do governo,
tendem a conduzir a economia a uma situação de maior eficiência. Nos anos 1960,
o economista norte-americano Douglass North trouxe uma importante contribuição
para essa corrente de pensamento ao enfatizar o papel desempenhado pelas instituições.
Para entender como os economistas liberais entendem a questão do
desenvolvimento econômico, podemos recorrer ao famoso exemplo do jogo de
futebol.
Para que possamos ter uma
boa partida de futebol, são necessários: um estádio, jogadores, regras e um
juiz. Nesse exemplo, o estádio representa a infra-estrutura; os jogadores, as
empresas privadas; as regras, o marco regulatório institucional e o juiz, o
governo. No modelo liberal, quem joga são os jogadores (empresas privadas), o
juiz (governo) não joga. Para que tenhamos uma boa partida, as regras têm de
ser claras e o juiz tem de garantir o seu cumprimento.
A segunda tradição é
tributária às idéias do economista alemão Friedrich List (1789-1846). No século
XX, essa corrente de pensamento ganhou força a partir de uma interpretação
específica das idéias keynesianas (que eu particularmente discordo). Na América
Latina, o desenvolvimentismo elaborou idéias originais com o surgimento da
escola estruturalista, cujos grandes expoentes foram Raúl Prebisch (1901-1986)
e Celso Furtado (1920-2004). Desenvolvimentistas costumam citar também países
asiáticos, especialmente o Japão, como exemplos de sucesso de suas políticas.
O
caso da Toyota é um exemplo muito claro e elucidativo. A Toyota surgiu como
indústria de máquinas têxteis e passou a produzir automóveis a partir de 1933.
Determinados a terem a sua própria indústria automobilística, os japoneses
expulsaram a Ford e a GM do país em 1939. Além disso, o governo japonês injetou
grandes quantias de dinheiro na empresa. Em 1958, a Toyota tentou
exportar automóveis para os Estados Unidos pela primeira vez. O fracasso foi
total, pois os carros japoneses eram de péssima qualidade. Mesmo assim o
governo não desistiu e continuou apoiando a empresa. Hoje, a marca Toyota virou
sinônimo de eficiência e qualidade.
Qual
o entendimento que o PT tem sobre desenvolvimento econômico? Tradicionalmente,
o PT sempre esteve mais próximo das idéias desenvolvimentistas.
Surpreendentemente para alguns, ao assumir o poder, em 2003, Lula optou por uma
gestão ortodoxa da política econômica. Essa opção foi muito bem sucedida até
2008, quando eclodiu a crise financeira global. O governo respondeu à crise com
uma plataforma anticíclica: queda dos juros, incentivos fiscais ao consumo,
aumento dos gastos e da dívida pública. Essa política teve resultados
positivos. Em 2010, a
economia brasileira cresceu 7,5%. O erro do PT aconteceu a partir daí. Não é
possível expandir as políticas monetária e fiscal indefinidamente. O que
deveria ser um remédio passageiro passou a integrar a chamada “nova matriz
econômica”. Some-se a isso o aumento do intervencionismo público. Ao tentar
implementar uma versão tropical do modelo de desenvolvimento asiático, o
governo fortaleceu o nosso bom e velho capitalismo de compadres. O resultado
desse desvio de rota todos sabemos: queda dos investimentos, estagnação
econômica e inflação.
O
conserto que Dilma tem de fazer no estrago que ela mesma produziu é enorme. A
presidente parece estar profundamente contrariada. É evidente que ela delegou o
reajuste fiscal ao novo Ministro da Fazenda por uma questão de necessidade e
não de convicção. Vários economistas estimam que Joaquim Levy deve levar
aproximadamente dois anos para deixar a casa em ordem. O que vai
acontecer a partir de então? A presidente mantém a ortodoxia econômica (que ela
aparentemente abomina) ou embarca em uma nova aventura desenvolvimentista? É
isso que todos querem saber.
Nenhum comentário:
Postar um comentário