sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Você é de direita ou de esquerda?

Quando a apresentadora Hebe Camargo morreu, foi ao ar uma reportagem mostrando como era sua casa e como ela vivia. Acho que todo mundo sabe que Hebe gostava de luxo. Entre muitos objetos luxuosos, um me chamou a atenção. Hebe tinha um telefone cravado de diamantes. Aquilo devia valer uma fortuna. Na minha cabeça, e provavelmente nas de várias pessoas que estavam assistindo à reportagem, veio uma pergunta: é justo uma pessoa viver em meio a tanta riqueza em um país repleto de miseráveis? E se eu considerar injusto, significa que eu sou de esquerda? Mas ser de esquerda não significa apoiar as safadezas do PT, a ditadura em Cuba e a Revolução Bolivariana na Venezuela? Será que é possível ser a favor de uma distribuição mais justa da renda sem apoiar essas idéias ultrapassadas? Bem, vamos tentar responder a essas questões.

Direita ou esquerda? Como você se classifica?

O que significa ser de esquerda ou de direita? Existem várias interpretações sobre esse tema. Eu posso dizer que esquerda é quem está do lado dos pobres e direita é quem está do lado dos ricos. Quem entende as coisas dessa forma tem uma tendência a ser no mínimo de centro esquerda. Esquerdista é um sujeito bom, que pensa no próximo e que sente compaixão. Já o direitista é um sujeito mau, ambicioso, egoísta e inescrupuloso. Jesus Cristo seria de esquerda, mas Stalin seria de direita. Stalin de direita? Espera aí. Acho que essa interpretação não está muito boa. Vamos tentar outra.

A esquerda representa os interesses da classe trabalhadora e a direita representa os interesses dos capitalistas. Melhorou, conseguimos tirar Stalin da direita e jogá-lo para a esquerda. Muito bem. Mas será que a classe trabalhadora em Cuba está contente com a ditadura dos irmãos Castro? Ditaduras comunistas (de esquerda) conseguiram melhorar o padrão de vida dos trabalhadores? Os operários que se levantaram contra o governo e derrubaram o comunismo na antiga União Soviética eram de direita ou de esquerda? Parece que essa interpretação é meio confusa. Vamos partir para outra então.

A esquerda quer mais Estado e menos mercado. A direita quer mais mercado e menos Estado. Isso significa que, se eu sou de esquerda, eu sou contra as privatizações. Ser de esquerda significa querer um Estado cada vez maior, mais inchado e inevitavelmente mais corrupto e ineficiente. Ou seja, todo esquerdista é burro. Como eu não sou burro, vou ser de direita. Mas eu sou contra certas injustiças de uma economia de mercado e sou favorável a políticas de inclusão social. Eu não me sinto um cara de direita. Essa interpretação também não está me agradando. Será que tem mais alguma? Há mais uma ainda. E essa tem de funcionar, pois é a última.

A esquerda está disposta a sacrificar a liberdade para haver mais igualdade. A direita não se dispõe a esse sacrifício. Essa definição é um pouco mais complexa. Vamos pensar. Existe alguma incompatibilidade entre liberdade e igualdade? Sim, existe. Nós, seres humanos, não somos insetos gregários. Nós não somos todos iguais ou quase iguais como formigas, baratas ou cupins. Há uma diversidade enorme dentro da espécie humana. Algumas pessoas são mais inteligentes, bonitas, talentosas, criativas etc. Outras pessoas são justamente o oposto. A natureza foi cruel na hora de distribuir essas qualidades.

Logicamente que as pessoas mais inteligentes, bonitas, talentosas e criativas terão mais facilidade para ganhar dinheiro em uma economia capitalista que as pessoas sem essas qualidades. Ainda que todos partam de um mesmo ponto de largada, algumas pessoas chegarão mais longe, terão mais êxito e ganharão mais dinheiro ao longo da vida que outras. Isso é inevitável.

Se o governo quiser reduzir a disparidade no resultado final, terá de agir como Robin Hood. Ou seja, tirar dos ricos para dar aos pobres. Mas essa política de redução de desigualdades não é autoritária? Em outras palavras, ela não diminui a liberdade dos mais bem sucedidos? Sim, com certeza. Ninguém paga imposto porque gosta, paga porque é obrigado. Se o governo quiser reduzir desigualdades, terá de usar seu poder de coerção. Quanto mais igualdade o governo promove, mais ele reduz a liberdade individual.  De acordo com essa interpretação, quanto mais eu apoio políticas que promovam igualdade reduzindo liberdade, mais de esquerda eu sou. Quanto mais eu rejeito esse tipo de política, mais eu me enquadro como uma pessoa de direita.

Os esquerdistas argumentam que uma sociedade mais igualitária é mais justa porque, na loteria da vida, todos gostaríamos de ter sido premiados pela mãe natureza. Mas como a natureza não costuma ser justa e premia as pessoas de forma muito desigual, o governo, mediante política sociais, deve aparar as arestas, reduzindo os extremos.

Por exemplo, Hebe Camargo, quando jovem, era uma mulher muito bonita. Ela também era cantora, mas acredito que não tinha nenhum talento muito especial nesse quesito. Posteriormente, tornou-se apresentadora de televisão. Com sua simpatia e um forte carisma pessoal, Hebe conseguiu conquistar o coração de milhões de fãs por todo Brasil. Carisma significa fãs, que significam audiência, que significa dinheiro. Hebe ganhou muito dinheiro, ficou milionária e passou a viver bem ao seu estilo, cercada de luxo.

Acho que mulheres talentosas como Hebe despertam inveja em todas ou quase todas outras mulheres. Assim como um jogador de futebol como Cristiano Ronaldo desperta a inveja de muitos homens. Todos nós gostaríamos de ter nascido com grandes qualidades. Mas poucos, pouquíssimos, têm esse privilégio.

Voltemos a nossa questão inicial. É justo que, em um país com tanta miséria, algumas pessoas vivam cercadas de luxo? Eu já refleti muito sobre esse assunto. Minha conclusão pessoal é que isso não é justo e o governo deve sim reduzir um pouco as arestas. Para isso, o governo deve cobrar impostos progressivos dos mais ricos. Ou seja, quem é mais rico paga proporcionalmente mais. E com esses recursos aliviar os sofrimentos causados pela pobreza extrema. Vejam bem, aparar arestas é muito diferente de promover uma igualdade absoluta. Essa idéia eu não defendo, nem nunca defendi.

Será que eu devo ser enquadrado como esquerdista por pensar assim? Bem, tirem vocês suas conclusões. Particularmente, não gosto desses rótulos porque estão eivados de preconceitos. Não me considero nem de esquerda, nem de direita. Meu posicionamento é o seguinte: não acredito que uma sociedade com desigualdades extremas seja salutar. Por outro lado, repudio com veemência qualquer tipo de autoritarismo. Acho que acima de tudo temos de ter bom senso. Temos de saber dosar liberdade com igualdade. Como se costuma dizer, a diferença entre o remédio e o veneno pode estar na dose.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Grécia, austeridade e ideologia

É incrível a capacidade que as pessoas têm de fazer confusão até mesmo com coisas bem simples de entender. A Grécia está numa situação financeira complicada. Muito complicada. De quem é a culpa? Do governo grego, das políticas de austeridade, dos bancos internacionais, do capitalismo de espoliação ou de sei lá de quem. Vamos tentar compreender.

Syriza: a extrema esquerda chega ao poder

Suponhamos que Joaquim (um sujeito comum) entre em uma agência bancária e faça um empréstimo para comprar uma bicicleta. Depois de pagar algumas prestações, Joaquim conclui que não tem como pagar o que deve, está quebrado. De quem é a culpa? De Joaquim, do banco, do capitalismo ou da bicicleta? Acho que todos concordamos que a culpa é de Joaquim. Ninguém o obrigou a entrar na agência e fazer o empréstimo. Contudo, vou um pouco adiante. Eu diria que, além de Joaquim, o banco teve parte da responsabilidade, pois avaliou mal a capacidade de pagamento de seu cliente.

Se Joaquim der calote, quem sai perdendo e quem sai ganhando? Joaquim sai perdendo, pois não terá mais acesso a crédito em nenhuma instituição financeira. O banco também sai perdendo pois teve prejuízo na operação. Como ambos perdem e ninguém ganha nada, o melhor, tanto para Joaquim como para o banco, seria renegociar a dívida. Esse mesmo raciocínio pode ser estendido para uma empresa. Acho que todos vão concordar que sim. O que eu gostaria de entender é por que, quando o agente que contrai a dívida passa a ser o governo, algumas pessoas entram em um delírio esquizofrênico e começam a desenvolver teorias conspiratórias para explicar o mesmo problema.

Quando as nações da zona do euro passaram a utilizar uma mesma moeda, ocorreram dois erros de percepção. Os países mais pobres passaram a se sentir ricos e começaram a gastar além da conta. Por outro lado, os agentes financeiros também erraram em suas avaliações. Por exemplo, títulos públicos emitidos pela Alemanha e pela Grécia passaram a pagar remunerações muito próximas, como se os riscos fossem quase iguais. Porém a situação fiscal na Alemanha era muito melhor que a da Grécia. Resumindo a história, a Grécia contraiu uma dívida gigantesca e agora não tem como pagar. Não vejo outra saída que não seja a renegociação.

Onde está a questão ideológica nessa confusão em que a Grécia se meteu? Por mais que eu me esforce, não consigo enxergar. Por outro lado, o filósofo e colunista da Folha de São Paulo, Vladimir Safatle, parece estar saltitando de alegria com a vitória do partido de extrema esquerda Syriza nas eleições gregas, ocorridas no último domingo, 25 de janeiro. Segundo Safatle, a vitória do Syriza é a expressão do sentimento de recusa ao capitalismo de espoliação e à acumulação rentista. O colunista argumenta ainda que bancos internacionais extorquem países que entram em rota de falência (Luzes, enfim - 27/01/2015).

Voltando ao caso de Joaquim e da bicicleta. Teria algum resquício de lógica se eu dissesse que a dívida impagável de Joaquim é de responsabilidade do capitalismo de espoliação e da acumulação rentista? Tem algum sentido eu dizer que bancos extorquem pessoas que entram em rota de falência? Por que esses argumentos que não fazem nenhum sentido quando nos referimos a pessoas (ou empresas) teria sentido ao nos referirmos a países? Acho que somente o colunista da Folha e seus seguidores conseguem enxergar alguma lógica nessa sandice toda.

Intelectuais de esquerda têm o vício de enxergar qualquer fato pela lente da ideologia. Responsabilidade fiscal não tem viés ideológico. Um governo que gasta além da sua capacidade de pagamento vai se endividar. Não importa se o governo é de esquerda ou de direita. Governos endividados têm de apertar o cinto e fazer um esforço proporcional ao tamanho da dívida. Quando a dívida é impagável, melhor tentar uma renegociação. Nada disso tem a ver com ideologia. Porém a esquerda acéfala do nosso país consegue enxergar ideologia, luta de classes, espoliação capitalista até assistindo aos Teletubbies. E é com essa esquerda que temos de tentar dialogar. Que triste sina a nossa.

domingo, 25 de janeiro de 2015

Socialismo? Não, obrigado.

Certa vez, assistindo a uma palestra sobre finanças pessoais, ouvi o seguinte argumento: uma das maiores desgraças que pode acontecer a um ser humano é a ruína financeira. Depois de refletir sobre isso, conclui que o palestrante estava certo. E praticamente todas, ou quase todas, as pessoas em uma economia capitalista estão submetidas a esse risco. Coincidentemente, há uns dias, encontrei um amigo, que eu não via há anos. E, infelizmente, essa era a sua situação. É verdade que esse meu amigo fez algumas bobagens na vida, mas acho que não merecia estar sofrendo tanto assim. Normalmente, nessas situações, tenho uma tendência a pensar que o mundo é cruel, que o modelo capitalista é injusto e que as coisas deveriam ser diferentes. Então fico maquinando na minha cabeça como seria essa outra sociedade. E minha conclusão final é sempre a mesma. O capitalismo, com todas suas mazelas, é o melhor modo de produção já criado pelo homem.


Socialismo: tô fora

Primeiramente, temos de entender que o capitalismo surgiu a partir a evolução natural das forças produtivas. Diferentemente do socialismo, a economia de mercado não foi inventada por alguém, ela não é produto da mente de algum intelectual iluminado. Capitalismo não é utopia, é fruto da vida prática, do trabalho diário, do cotidiano e das tradições. Ele se constitui em um conjunto de práticas, valores e costumes criado por pessoas comuns. Esse conjunto de valores econômicos, políticos e institucionais está sendo continuamente testado e aprimorado num processo quase que darwiniano. Práticas eficientes permanecem e ineficientes são (quase sempre) naturalmente eliminadas. O capitalismo também não é imposto através de uma revolução abrupta e violenta. Ele é resultado de uma lenta evolução. Diferentemente dos socialistas que alegam que a violência é a parteira da história, os defensores da economia de mercado são amantes da paz.

Somente uma economia de mercado pode ser livre. Trocar mercadorias é algo natural, quase tão natural quanto trocar palavras. Colocar restrições ao funcionamento de uma economia de mercado é algo opressor, é quase tão opressor quanto proibir as pessoas de conversar, de trocar palavras. Além de trocar mercadorias, muitas pessoas têm o sonho de empreender um negócio. Impedir as pessoas de tentar realizar esse sonho também é um tipo de opressão. Somente em países capitalistas, as pessoas são livres para empreender.

No socialismo, a economia de mercado é substituída pela planificação econômica. Economias planificadas, além de menos eficientes do ponto de vista produtivo, são necessariamente autoritárias. Vejamos um exemplo. Suponha que em um país socialista os governantes (planificadores econômicos) sejam amantes das artes e concluam que o país deve ter mais teatros e museus. Por mais que eu goste de artes, tenho de admitir que essa decisão de construir mais teatros e museus é obviamente autoritária. Em uma economia de mercado, os consumidores escolhem, através de suas decisões de compra, os produtos que devem ser ofertados no mercado. Eu, particularmente, não aprecio muito a música popular que é feita hoje no Brasil. Mas entendo que esses artistas fazem sucesso porque o público (mercado) os consagrou. Por mais que eu não goste desses artistas, acho essa situação preferível a uma outra em que um poder central determine que tipo de música devemos ouvir.

Uma economia de mercado é fundamentada no conceito de propriedade privada. A riqueza de cada indivíduo, por sua vez, é fruto de seu trabalho, empenho e dedicação num momento passado. O desrespeito à propriedade privada é a legitimação do roubo. No socialismo, a propriedade privada é substituída pela propriedade pública. Esse coletivismo compulsório é uma violação à propriedade privada e a aceitação do roubo como instrumento de política econômica.

Críticos do capitalismo alegam que uma economia de mercado produz grandes desigualdades. Isso é verdade, porém essa desigualdade é uma das forças do capitalismo. A desigualdade acentua a competição e a busca por aumentos de produtividade. Uma sociedade igualitária levaria as pessoas a uma situação de acomodação e, consequentemente, à estagnação econômica.

Outro equívoco: socialistas tendem a interpretar o capitalismo como um jogo de soma zero. Ou seja, um jogo, em que, para alguns ganharem mais, outros têm de ganhar menos. Essa é uma visão equivocada. O capitalismo é, na verdade, um jogo de soma positiva, todos saem ganhando. Capitalistas e trabalhadores não deveriam ser vistos como inimigos, mas sim como aliados. Quanto mais o capitalista ganha dinheiro, mais pessoas ele pode contratar e mais salários ele pode pagar. Quanto mais o capitalista fica rico, mais a nação como um todo enriquece também.

O socialismo foi capaz de produzir igualdade, mas nunca, e em nenhuma parte do mundo, conseguiu gerar riqueza. Pessoas pobres em uma economia capitalista desenvolvida são mais ricas que um cidadão médio de uma economia socialista. Os socialistas do presente, bem como os do passado, são pessoas ressentidas, que acham que não têm o rendimento merecido e, por isso, querem impor a todos um igualitarismo forçado.

Voltando ao meu amigo falido, não há muito o que fazer. Em uma economia de mercado, pessoas talentosas, inteligentes, capazes, empreendedoras conseguem ganhar mais dinheiro que as que não têm esses mesmos atributos. O capitalismo pune os perdedores. Pode ser darwiniano, pode ser cruel, mas é também necessário. Essa punição é o preço da eficiência e da geração de uma riqueza crescente a ser dividida (desigualmente) por todos. Na realidade, o problema da repartição da renda, continua sendo um dos pontos mais nevrálgicos do capitalismo. Mas esse assunto fica para um próximo post. Podemos pensar em mudar o capitalismo, reformá-lo, torná-lo mais igualitário e mais justo. Mas jamais em abandoná-lo. E, com relação ao socialismo, digo simplesmente o seguinte: muito obrigado, mas não estou interessado.


The Soviet Story

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

O enigmático pensamento econômico de Dilma

Durante a gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, costumava-se dizer que os tucanos estavam divididos. Havia o grupo dos desenvolvimentistas ou heterodoxos e o grupo dos monetaristas ou ortodoxos. Essa discussão ficou esquecida por anos, mas, recentemente, voltou ao centro do debate político/econômico nacional. Porém o que significa monetarismo, desenvolvimentismo e o que isso tem a ver com o momento que estamos vivendo? É sobre isso que eu vou tratar aqui nesse post.

Dilma: pensamento enigmático

O referido debate remete a duas grandes tradições na interpretação do processo de desenvolvimento econômico. A tradição liberal, cujo grande patriarca é Adam Smith (1723-1790), entende que as forças de mercado funcionando livremente, sem interferência do governo, tendem a conduzir a economia a uma situação de maior eficiência. Nos anos 1960, o economista norte-americano Douglass North trouxe uma importante contribuição para essa corrente de pensamento ao enfatizar o papel desempenhado pelas instituições. Para entender como os economistas liberais entendem a questão do desenvolvimento econômico, podemos recorrer ao famoso exemplo do jogo de futebol.

Para que possamos ter uma boa partida de futebol, são necessários: um estádio, jogadores, regras e um juiz. Nesse exemplo, o estádio representa a infra-estrutura; os jogadores, as empresas privadas; as regras, o marco regulatório institucional e o juiz, o governo. No modelo liberal, quem joga são os jogadores (empresas privadas), o juiz (governo) não joga. Para que tenhamos uma boa partida, as regras têm de ser claras e o juiz tem de garantir o seu cumprimento.

A segunda tradição é tributária às idéias do economista alemão Friedrich List (1789-1846). No século XX, essa corrente de pensamento ganhou força a partir de uma interpretação específica das idéias keynesianas (que eu particularmente discordo). Na América Latina, o desenvolvimentismo elaborou idéias originais com o surgimento da escola estruturalista, cujos grandes expoentes foram Raúl Prebisch (1901-1986) e Celso Furtado (1920-2004). Desenvolvimentistas costumam citar também países asiáticos, especialmente o Japão, como exemplos de sucesso de suas políticas.

O caso da Toyota é um exemplo muito claro e elucidativo. A Toyota surgiu como indústria de máquinas têxteis e passou a produzir automóveis a partir de 1933. Determinados a terem a sua própria indústria automobilística, os japoneses expulsaram a Ford e a GM do país em 1939. Além disso, o governo japonês injetou grandes quantias de dinheiro na empresa. Em 1958, a Toyota tentou exportar automóveis para os Estados Unidos pela primeira vez. O fracasso foi total, pois os carros japoneses eram de péssima qualidade. Mesmo assim o governo não desistiu e continuou apoiando a empresa. Hoje, a marca Toyota virou sinônimo de eficiência e qualidade.

Qual o entendimento que o PT tem sobre desenvolvimento econômico? Tradicionalmente, o PT sempre esteve mais próximo das idéias desenvolvimentistas. Surpreendentemente para alguns, ao assumir o poder, em 2003, Lula optou por uma gestão ortodoxa da política econômica. Essa opção foi muito bem sucedida até 2008, quando eclodiu a crise financeira global. O governo respondeu à crise com uma plataforma anticíclica: queda dos juros, incentivos fiscais ao consumo, aumento dos gastos e da dívida pública. Essa política teve resultados positivos. Em 2010, a economia brasileira cresceu 7,5%. O erro do PT aconteceu a partir daí. Não é possível expandir as políticas monetária e fiscal indefinidamente. O que deveria ser um remédio passageiro passou a integrar a chamada “nova matriz econômica”. Some-se a isso o aumento do intervencionismo público. Ao tentar implementar uma versão tropical do modelo de desenvolvimento asiático, o governo fortaleceu o nosso bom e velho capitalismo de compadres. O resultado desse desvio de rota todos sabemos: queda dos investimentos, estagnação econômica e inflação.

O conserto que Dilma tem de fazer no estrago que ela mesma produziu é enorme. A presidente parece estar profundamente contrariada. É evidente que ela delegou o reajuste fiscal ao novo Ministro da Fazenda por uma questão de necessidade e não de convicção. Vários economistas estimam que Joaquim Levy deve levar aproximadamente dois anos para deixar a casa em ordem. O que vai acontecer a partir de então? A presidente mantém a ortodoxia econômica (que ela aparentemente abomina) ou embarca em uma nova aventura desenvolvimentista? É isso que todos querem saber.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Por que o Afeganistão não é Cingapura?

Um leitor disse que meu último post, Terrorismo e o colonialismo europeu, não está muito bom porque falta explicar por que algumas ex-colônias de potências capitalistas progrediram tanto (Cingapura, Hong Kong, Coréia do Sul, etc), enquanto outras se transformaram em nações falidas (Afeganistão, Somália, Paquistão etc.). Esse é um problema muito complexo. Existem teorias e mais teorias sobre desenvolvimento econômico. Vou aqui fazer uma análise (infelizmente meio superficial) centrada em três elementos: geografia, história e ideologia.

Afeganistão: essa ideologia não ajuda

Vamos começar pelo primeiro, geografia. Nações cuja localização favorece o comércio com o resto do mundo tendem a se desenvolver mais. Nações isoladas, tendem a permanecer estagnadas. Todos sabemos que, durante a Idade Média, houve uma ruralização da Europa. Os feudos eram praticamente auto-suficientes e o comércio era insignificante. Essa situação começou a mudar por volta do século XII. Nesse período, há um despertar do comércio e as cidades italianas, principalmente Veneza, passaram a monopolizar o comércio de produtos vindos do Oriente. Em função disso, Veneza se transformou na cidade mais rica da Europa. Tudo isso mudou quando os portugueses descobriram uma nova rota comercial para as Índias. O comércio se deslocou do Mediterrâneo para o Atlântico, e Antuérpia sucedeu Veneza, transformando-se em principal centro comercial da Europa.

Por outro lado, sabemos também que ainda existem povos vivendo na pré-história, em pleno século XXI. Estou me referindo aos ianomâmis, que vivem cravados dentro a floresta amazônica, na fronteira entre o Brasil e a Venezuela. E aos diversos povos que habitam as florestas tropicais de Papua Nova Guiné. É evidente que esses povos são atrasados do ponto de vista econômico porque estão isolados, não têm intercâmbio com o resto do mundo. Resumindo, integração econômica tende a gerar desenvolvimento.

Vamos agora falar de história. A União Soviética se desmantelou no começo dos anos 1990. Com o fim da grande potência socialista, quase todos os países que viviam sob sua zona de influência passaram a adotar a economia de mercado. Apenas dois países ainda insistem em manter o antigo modelo baseado na planificação econômica: Cuba e Coréia do Norte. Se a história fosse mais generosa, se esses países fossem governados por pessoas menos teimosas, fanáticas, egoístas e tirânicas, provavelmente a situação seria bem diferente. Mas, por caprichos da história, essas nações estão congeladas no tempo. No caso da Coréia do Norte, eu diria até que o país regrediu à Idade Média. Pode soar meio clichê, mas, na vida, todos nós, pessoas ou nações, estamos submetidos à chancela do imponderável.

Vejamos outro exemplo. Na América Latina, nos anos 1970, quase todas as nações sucumbiram a ditaduras militares. No Chile, durante a ditadura de Augusto Pinochet, um seleto grupo de alunos partiu rumo aos Estados Unidos para estudar economia na prestigiosa Universidade de Chicago, um importante centro difusor de idéias liberais. De volta ao Chile, os chamados “Chicago boys”, com apoio de um ditador mão-de-ferro, passaram a implementar reformas (neo)liberais que resultaram no chamado “Milagre do Chile”. Essas reformas liberais somente seriam implementadas no Reino Unido uma década mais tarde. E, no Brasil, somente nos anos 1990. Atualmente, o Chile é uma das nações mais prósperas da América do Sul. Agora, pensem comigo, Pinochet era chileno, mas poderia ter nascido na Argentina, no Brasil, na Venezuela. Mas, por vontade do destino (ou da história), nasceu no Chile. Mais um exemplo de como um determinado fato (histórico?) pode mudar o rumo de uma nação.

Finalmente, chegamos ao terceiro aspecto: ideologia. Em seu famoso livro, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, o sociólogo alemão Max Weber nos mostra como a religião protestante revolucionou a forma de pensar dos indivíduos e abriu espaço para o desenvolvimento do capitalismo. A teologia protestante conferia ao trabalho um valor religioso. O senso de dever e disciplina, próprio dos monges, passa a ser exigido de todo cristão na execução de suas tarefas da vida quotidiana. O protestantismo liberta o capitalista do opróbrio moral imposto pela igreja católica medieval e transforma em virtudes características que eram até então vistas como simples motivações interesseiras. Essa visão de mundo favoreceu inúmeras nações. Por outro lado, países que recusaram o livre mercado e aderiram a utopias socialistas colheram morte, sofrimento e pobreza. Muçulmanos fundamentalistas, por sua vez, ao recusarem aceitar as instituições ocidentais que geraram riqueza em tantas partes do mundo, se afundam cada vez mais no obscurantismo medieval.

Meus caros leitores, esse breve ensaio não tem por objetivo esgotar a discussão acerca do desenvolvimento econômico. Longe disso. Meu objetivo aqui foi simplesmente analisar essa questão por três óticas distintas. Se você estudar como nações prósperas (Cingapura, Hong Kong e Coréia do Sul) chegaram lá e como nações falidas (Afeganistão, Somália e Paquistão) não chegaram, verá que esses três elementos (geografia, história e ideologia) estão sempre, ou quase sempre, presentes.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Terrorismo e o colonialismo europeu

Quando alguém diz uma bobagem, normalmente não dou muita importância. Mas quando duas, três, quatro, cinco, uma multidão repete a mesma asneira, acho que está na hora de dar uma resposta. A última quimera que está na boca de alguns esquerdistas psicóticos é que os ataques terroristas ocorridos recentemente na França são resultado do colonialismo europeu.

Imperialismo: estaria aí a culpa?

Muito bem. É verdade que, a partir do século XVI, vários países europeus estabeleceram colônias em praticamente todos os continentes. Com o colonialismo e o imperialismo (final do século XIX), houve guerras e muita exploração econômica. Mas as potências imperialistas também construíram portos, ferrovias, estradas, escolas, hospitais. E, por conta do imperialismo, várias pessoas puderam ter acesso a vacinas, antibióticos e outros medicamentos. Portanto, o colonialismo e o imperialismo foram muito menos danosos do que os professores de história costumam ensinar aos seus alunos.

Para entender melhor essa questão, vamos analisar um caso que eu acho bem interessante. O Brasil é um grande produtor (e consumidor) de petróleo. Apesar disso, nosso país produz poucas plataformas petrolíferas. A maior parte desse material vem do exterior, sobretudo de três países: China, Coréia do Sul e Cingapura.

Meu objetivo aqui é analisar essa terceira nação. Cingapura é uma cidade-Estado, com 5,4 milhões de habitantes e uma área cinco vezes menor que a do Distrito Federal. É um país pobre em recursos naturais, não tem petróleo e era uma colônia britânica até 1959. Atualmente, Cingapura, de acordo com o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) é o nono país mais desenvolvido do mundo, com um índice de 0,901. Deixando para trás países como Suécia, Dinamarca, Reino Unido e Japão. É isso mesmo, a ex-colônia britânica tem hoje um IDH superior a da sua antiga metrópole.

É interessante observar o seguinte. Cingapura não tem petróleo (diferente do Brasil), mas exporta plataformas de petróleo (diferente do Brasil que importa). A economia desse país asiático tem forte influência do governo. A estratégia deles é clara: produzir e vender produtos de alto valor agregado no mercado internacional. Na literatura econômica, isso ficou conhecido como modelo de desenvolvimento asiático. Parece que durante período Dilma I, o governo tentou seguir esse caminho, mas deu com os burros n’àgua.

Como explicar o sucesso de países como Cingapura? Essa não é uma tarefa fácil. Um componente fundamental tem a ver com a cultura. Estou me referindo aqui a cultura no sentido de visão de mundo. Nesses países de desenvolvimento acelerado, a população tem uma atitude muito pragmática em relação à vida e estão muito focadas no enriquecimento material. No Brasil e em boa parte da América Latina, a visão é outra. Muita gente insiste em culpar os países desenvolvidos (antigas potências coloniais) pelo nosso fracasso econômico. E, em algumas nações muçulmanas, a situação é muito pior. Fundamentalistas islâmicos entendem que o ocidente é responsável não apenas pela pobreza material, mas sim por todo mal que paira sobre a terra. A solução para eles é destruir o ocidente.

Particularmente, entendo que por trás de toda essa loucura está um sentimento bastante comum, mas altamente destrutivo: a inveja. Se meu vizinho compra um carro novo e isso me causa um certo pesar, posso agir de três formas: trabalhar mais, ganhar dinheiro e comprar um carro equivalente. Mas, em vez disso, posso sair por aí falando mal do meu vizinho, dizendo que ele é desonesto e que comprou o carro com dinheiro roubado. Ou, posso ser ainda mais radical: mato meu vizinho, ponho fogo no carro e digo que agi em nome de Deus.

O mais prudente parece ser trabalhar mais, ganhar dinheiro e comprar um carro novo. Mas não é isso que estamos assistindo. Algumas pessoas têm enorme dificuldade para admitir o próprio fracasso. Colocar a culpa no vizinho é algo bem mais cômodo. O número crescente de pessoas que está aderindo ao terceiro grupo parece nos mostrar que a loucura humana não tem limite.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Amantes da guerra

Chocado ainda com o atentado que matou 17 pessoas na França, o mundo inteiro se pergunta: como evitar a repetição de outros casos dessa natureza? Algumas pessoas acreditam que a solução está numa maior integração da comunidade mulçumana com o resto da população européia. Na França, e em outros países europeus, mulçumanos se sentem cidadãos de segunda classe. Nesse sentimento de exclusão, de não pertencimento, de se sentir filho ilegítimo da pátria, estaria a raiz de todo o mal. Pura bobagem.

França: manifestações em homenagem às vítimas

Em 19 de abril de 1995, um ex-soldado nova-iorquino chamado Timothy James McVeigh cometeu o maior atentado terrorista dos Estados Unidos até o ataque de 11 de setembro de 2001. No chamado atentado de Oklahoma City, McVeigh detonou 2500 quilos de explosivos deixados em um veículo estacionado em frente a um prédio do governo federal. A explosão deixou um saldo de 168 mortos e 850 feridos.

Qual a razão de tanto ódio? McVeigh estava profundamente frustrado por não ter sido aceito em um esquadrão de elite conhecido como boinas verdes. McVeigh não era mulçumano, nem descendente de árabes. Ele era um típico jovem norte-americano, exceto pela sua obsessão por armas e simpatia por idéias neonazistas. Em 2001, o ex-soldado foi executado com uma injeção letal. Nunca demonstrou arrependimento em relação ao ato que cometeu.

Resumo da história: terrorismo, morte e destruição não é coisa de árabes ou mulçumanos. A maioria da humanidade ama a paz, mas uma parte ama a guerra. Dê aos amantes da guerra uma ideologia, não precisa ser algo muito bem elaborado, basta ser algo que sirva de pretexto. Dê a eles um líder e o conflito pode começar. Na mente de um terrorista, o Ocidente, com seus valores de liberdade, igualdade e fraternidade, tornou-se um lugar sem graça: mulheres emancipadas, liberdade de expressão, direitos à comunidade LGBT, Estado de Bem Estar Social. Tudo isso que, para os amantes da paz, significa um grande avanço. Para fundamentalistas religiosos, significa simplesmente degeneração.

Reparem nas semelhanças. Berlin, durante a República de Weimar, nos anos 1920, era a cidade mais libertária da Europa. Era também a capital européia da prostituição. Prostíbulos de todos os tipos, gêneros e gostos espalhavam-se pela cidade. O que para alguns representava liberdade, para outros, representava decadência moral. Coube a Hitler, um amante da guerra, escolhido pelo povo, limpar todo esse lixo e recuperar valores germânicos tradicionais. Dê ao povo uma ideologia fajuta e um líder maluco e você terá uma multidão de fanáticos dispostos a matar a morrer por esse ideal. Estamos, portanto, em meio a uma guerra. Não de ocidentais contra árabes mulçumanos. Essa é uma luta entre os que amam a liberdade e a paz e os que glorificam a morte e a guerra.

                                          Berlin: liberdade ou decadência?


Eu me lembro bem do estardalhaço que as idéias do cientista político norte-americano Francis Fukuyama provocaram em 1992, quando foi publicado O Fim da História e o Último Homem. Segundo Fukuyama, a democracia e a economia de mercado representavam um ponto final na história da evolução cultural da humanidade. Muita gente torceu o nariz para essa teoria, principalmente os esquerdistas que taxaram-na de conservadora. Fukuyama estava evidentemente errado, mas antes essa tese estivesse correta. Quão bom seria se toda humanidade estivesse convergindo suavemente para uma social-democracia sueca. Mas não está. Infelizmente, a história da humanidade é a história de sucessivas guerras. E tudo indica que essa história não tem fim. 

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

A difícil missão de Joaquim Levy

O recém nomeado Ministro da Fazenda Joaquim Levy tem pela frente a dura missão de recolocar nos trilhos a desconcertada economia brasileira. Uma questão que muitos se fazem é: como chegamos a esse ponto? O que aconteceu de tão errado no Brasil? Quem conhece um pouco de história econômica sabe que o capitalismo é cíclico. A economia não cresce de forma harmônica e suave como uma árvore. O crescimento econômico é espasmódico. Entre convulsões, crises e solavancos, o capitalismo cresce e se consolida.

Joaquim, um presente para você

Quando assumiu a presidência, em 2003, Lula teve a sorte de pegar o início de um período de crescimento da economia mundial, que produziu aumento nos preços das commodities, beneficiando o Brasil, grande exportador. Lula surfou alegremente nessa alta de preços até 2008, quando fomos atingidos pela crise no mercado de hipotecas nos Estados Unidos, a tal tsunami que Lula chamou de marolinha. Diante dessa crise, o que fazer? O PT, com seus economistas de galinheiro, entenderam que o melhor seria adotar um programa keynesiano anticíclico. Resultado: produziram uma estagflação no melhor estilo anos 1980. Bom para matar saudade, mas melhor voltar ao mundo da racionalidade econômica.

Se a equipe econômica do PT fosse um pouco mais religiosa, talvez não tivesse cometido tamanha heresia, pois lá, no Antigo Testamento, há uma lição de como agir nessas situações. Estou me referindo à história de José, que foi vendido pelos irmãos como escravo aos egípcios. No Egito, José ficou conhecido pelo seu dom de interpretar sonhos. O faraó, intrigado com um sonho, chamou José e contou-lhe seu enigmático sonho de sete vacas gordas e sete vacas magras que devoravam as sete primeiras. As sete vacas gordas, segundo José, representavam sete anos de bonança e as sete magras, sete anos de escassez. Nos sete anos de bonança, havia-se de poupar recursos para os anos vindouros de escassez.

Pois bem, o Brasil não poupou nos anos de bonança, logo não tinha recursos para gastar nos anos de escassez. Nesse caso, não há muito a fazer. É apertar o cinto e aguardar a crise passar. Mas os economistas petistas acharam que dava para mudar o formato da roda. Para eles, uma roda quadrada pode, dependendo do caso, ser mais eficiente que uma redonda. Pois bem, esses respeitáveis senhores reduziram os juros na base do grito, aumentaram o gasto público e tentaram esconder o déficit nas contas públicas através de uma contabilidade criativa.

Como ensina a boa ortodoxia econômica, a melhor política para aumentar investimentos e conseqüentemente o crescimento pode ser resumida em uma palavra: confiança. O mercado não achou graça nenhuma nas estripulias econômicas da presidenta e sua trupe de saltimbancos. Investidores fecharam a cara e suas carteiras também. Mas, somente durante as eleições presidenciais, Dilma parece ter percebido que seu espetáculo não estava agradando muito à plateia. Resolveu então mudar os atores e o roteiro de sua peça.

Joaquim Levy tem um nome bíblico, mas não esperem dele nenhum milagre. Ele tem uma missão ingrata pela frente: promover um ajuste recessivo em período de estagnação econômica. Equivale a economizar recursos nos sete anos de vacas magras. Tudo isso para restabelecer a confiança do setor empresarial e o país voltar a crescer. Com relação a Dilma, podemos dizer que ela entra para a história como a primeira presidente a deixar para si própria uma herança maldita (que feito notável!). O ano de 2015 será difícil, não há dúvida. E como nossa presidenta parece gostar mais de comédias que de dramas, corremos o risco dela querer mudar o script de uma hora para outra e voltar a encenar novamente aquela comédia sem graça. Oremos para que isso não aconteça. E que Deus nos proteja. 

domingo, 11 de janeiro de 2015

Cassar o registro do PT seria uma solução?

No programa de TV Manhattan Connection, o escritor Diogo Mainardi cogitou, como uma eventual saída para o problema da corrupção que assola o Brasil, a cassação dos direitos políticos do PT. Seria essa uma boa solução? Se refletirmos um pouco sobre esse assunto, vamos concluir que não. São várias as razões para isso. Primeiramente, se os direitos políticos do PT fossem cassados, o partido renasceria com outro nome e, provavelmente, mais forte. O PT, quer gostemos ou não, representa uma parcela grande da sociedade brasileira. O partido poderia ser extinto por um despacho qualquer. Porém, as pessoas que apóiam a ideologia e os métodos do partido não podem (nem devem) ser exterminadas.



Algumas pessoas fazem a seguinte confusão. Vêem a política como um embate entre bandidos e mocinhos. Nesse momento, os bandidos estão no poder. Temos de tirá-los de lá e devolver o lugar aos mocinhos. Infelizmente, as coisas não são tão simples assim. Não estou querendo simplificar as coisas, dizendo que todos os partidos são iguais, todos são corruptos etc. Corrupção sempre existiu no Brasil, mas nunca nessas proporções e nunca dessa maneira. Recentemente, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, disse que o mensalão, comparado ao petrolão, deveria ser julgado no tribunal de pequenas causas. Acho que avistamos, por enquanto, somente a ponta do iceberg. O pior ainda está por vir.

Se tudo isso não bastasse, estamos assistindo também a algo inédito na nossa história. Antigamente, o dinheiro público era desviado somente com objetivo de encher os bolsos de alguns políticos safados. Hoje, o erário público, além de enriquecer calhordas, serve também para sustentar um projeto de poder, o que é algo bem mais assustador.

Para muitos, a corrupção é o pior problema do Brasil. Enquanto o país estiver imerso nesse pântano de desvios, propinas, obras superfaturadas etc, fica difícil acreditar em grandes avanços em qualquer  área. A grande questão é como se livrar dessa praga que infesta a nação. Com certeza, não é cassando os direitos políticos de determinado partido. Também não é uma questão de trocar bandidos por mocinhos. Nas campanhas eleitorais, todos parecem e se dizem mocinhos.

Atualmente, a mídia e políticos têm enfatizado a necessidade de se promover uma reforma política. Outros dão ênfase à questão do financiamento de campanhas. Tudo isso ajuda, mas, na minha humilde opinião, não resolve o problema. Como economista, acredito que as pessoas agem segundo motivações positivas ou negativas. Sejamos sinceros, ser corrupto no Brasil é um bom negócio. O sujeito rouba, enriquece e geralmente fica por isso mesmo. Quando é julgado e preso, fica uns dias na cadeia e depois volta para casa para cumprir o resto da pena em prisão domiciliar. É bom negócio ou não é? Eu acho que é. Portanto, a melhor maneira de combater a corrupção no país é punindo essa gente com mais rigor.

No Brasil, infelizmente, quando se diz que para combater o crime, há que se endurecer as penas, alguém sempre irá dizer que isso é coisa de gente reacionária, direitista etc. Muitos brasileiros, influenciados por pseudo-intelectuais esquerdistas tendem a vitimizar o bandido. Pois, nesse aspecto, eu apoio da direita radical: bandido bom é bandido preso, lugar de bandido é na cadeia. É cafona falar isso? Pode ser, mas prefiro ser cafona a imbecil.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Quem quer comprar a mansão de Chiquinho Scarpa?

O socialite Chiquinho Scarpa está vendendo sua mansão no bairro dos Jardins, em São Paulo, pela bagatela de 100 milhões de dólares. Com essa notícia, muita gente deve ter pensado: o que Scarpa fez para ficar tão rico? A resposta é muito simples. Não fez nada. Chiquinho já nasceu rico. Seus pais eram ricos, seus avós também e provavelmente seus bisavós e tataravós idem.

Chiquinho Scarpa em sua mansão

Pois bem, esse fato nos faz indagar: isso é justo? É moralmente justificável que alguém passe a vida inteira sem trabalhar, apenas curtindo a vida e gastando o dinheiro herdado dos seus antepassados? Paralelamente, temos milhões de brasileiros que levam uma vida sofrida, trabalham muito em serviço pesado, perigoso, insalubre e ganham muito pouco, quase nada, apenas o suficiente para poder sobreviver. Uma sociedade com tamanha desigualdade pode ser considerada justa?

Um direitista radical responderá sim, isso é justo. Dinheiro não brota do chão. Alguém do clã dos Scarpa, lá longe, num passado bem distante, deu duro para constituir toda essa riqueza. E essa pessoa escolheu como legítimo herdeiro seu filho. Esse patrimônio foi então sendo passado de pai para filho, geração após geração, até chegar a Chiquinho. Ninguém tem o direito de se apropriar dos bens de outrem. Se o Estado resolver confiscar a mansão de Chiquinho porque ele já é rico o bastante, isso é roubo. E roubo não é algo moralmente justificável.

Muito bem. O filósofo e economista inglês Jeremy Bentham (1748-1832) tinha uma visão diferente sobre a distribuição da renda e riqueza. Bentham não era socialista, muito pelo contrário, ele era um árduo defensor da economia de mercado. Além disso, foi também o fundador de uma corrente filosófica conhecida como utilitarismo, que, entre outras coisas, serviu de base para a teoria econômica moderna.

Segundo Bentham, boas ações eram aquelas capazes de proporcionar felicidade. Ações ruins proporcionavam sofrimento. O dinheiro trás felicidade? Para pessoas muito pobres, um aumento de renda pode aliviar uma série de problemas e aumentar a felicidade. Por outro lado, para pessoas muito ricas, uma redução na renda não causará muita dor. Baseado nessa ideia, Bentham defendia políticas de redistribuição de renda, dos mais ricos para os mais pobres.

Eu acho essa reflexão interessante, mas, por outro lado, ela é um tanto quanto irrelevante. Toda sociedade democrática irá caminhar inexoravelmente para uma situação de maior igualdade. O voto de Chiquinho Scarpa tem o mesmo peso do voto da mulher que passa suas camisas ou do rapaz que cuida de seu jardim. Pessoas racionais escolhem políticas que lhes são mais favoráveis. Pobres votam a favor de uma repartição mais igualitária do bolo. Ricos votam a favor da manutenção da atual repartição. Nesse embate de ricos contra pobres, os mais numerosos (os pobres) levam vantagem. Resumindo, essa discussão sobre justificativa moral da redistribuição da renda é até certo ponto irrelevante, pois ela acontecerá quer concordemos ou não. O que nós temos de decidir é de que forma ela será feita, a la Marx, ou a la Bentham. No Brasil, essa redistribuição começou a ser feita a la Marx. O negócio agora é tentar virar o jogo.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Je suis Charlie

Algumas palavras de Stéphane Charbonnier, 47, diretor editorial do jornal Charlie Hebdo em relação às ameaças que os integrantes do jornal vinham sofrendo de grupos extremistas:

"Talvez soe um pouco pomposo, mas prefiro morrer em pé do que viver de joelhos"

O cartunista se foi, fica para nós o exemplo.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Marxismo e religião

Um amigo me perguntou recentemente: por que ainda há tantos marxistas no Brasil? Dizem que não é muito educado responder uma pergunta com outra, mas terei de recorrer a esse artifício. Pensem comigo, como no mundo de hoje pode ainda haver fundamentalismo religioso? Como alguém lê um texto, supostamente sagrado, escrito há mais de 2000 anos e acredita que ele tem de ser seguido ao pé da letra? Como, depois de Charles Darwin ter publicado Origem das Espécies, alguém ainda acredita em criacionismo? Além do fundamentalismo religioso, há aqueles que acreditam OVNIs, os que acreditam em astrologia, energia cósmica, poder dos cristais e uma infinidade de maluquices. Portanto, por que se surpreender com o fato de muitas pessoas acreditarem ainda na ideologia marxista?

Pessoas que acreditam na teoria de Marx têm sérios problemas cognitivos. Eu não tenho dúvida disso. Certa vez, um amigo marxista veio me explicar por que o capitalismo não tinha como dar certo. Eu disse a ele: pare, eu não quero ouvir sua argumentação. O capitalismo já deu certo. Não deu certo no Brasil, mas deu certo em vários países. Estou me referindo a Estados Unidos, Alemanha, Japão, Austrália, Canadá etc. Nesses países, as pessoas têm alto padrão de vida, a desigualdade é relativamente pequena, existe um grande respeito pela liberdade individual, entre outras coisas. É lógico que existem problemas nesses países. O ser humano é imperfeito e todas as instituições criadas pelo homem (inclusive o capitalismo) são imperfeitas. Mas, nos países desenvolvidos, as pessoas gozam de um padrão de vida material jamais usufruído pela humanidade. Se uma teoria diz que o capitalismo não tem como dar certo, a teoria está errada e deve ir para a lata de lixo. Ou seria melhor descartar a realidade e ficar com a teoria? 

Outro amigo, também esquerdista, voltou de Cuba e ficou encantado com tudo que viu por lá. Ele me disse: em Cuba, é tudo racionado, mas ninguém passa fome (que lindo!). Em Cuba, todo mundo tem acesso a educação e saúde de graça (lindo, lindo!). Muito bem. Em vários outros países do mundo, as pessoas também não passam fome, a comida não é racionada, a educação e saúde são gratuitas e não foi necessária uma revolução sangrenta para conseguir esses benefícios. E também não é necessária uma ditadura opressora de 50 anos para manter essas conquistas.


                                       
Outra questão que muitas pessoas se fazem: por que existem tantos intelectuais marxistas? Para início de conversa, intelectual marxista é algo que não existe. Intelectual e marxista são duas palavras que não combinam. É como se eu dissesse terrorista moderado ou nazista piedoso. Para mim, nenhum intelectual é marxista e nenhum marxista é intelectual. O que eu conheço são marxistas que estudam muito. Estudam, estudam e não aprendem nada. Ficam sempre repetindo os mesmos clichês desgastados, não saem disso, mas se julgam intelectuais.

Alguns marxistas são melancólicos, outros são revoltados e têm ódio do mundo. Todo marxista é ressentido, tem um sentimento de insatisfação em relação à vida e acha que a culpa é do sistema. E para mudar o sistema, eles estão dispostos a qualquer coisa, inclusive pegar em armas e começar uma revolução. Sabemos que numa revolução há sempre muitas mortes. Mas não tem como ser diferente, afinal de contas “a violência é a parteira da história”.

Lênin: cada religião tem o santo que merece

No meu entendimento, a raiz do marxismo é de ordem religiosa. Na faculdade, eu tinha um colega marxista. Uma vez, perguntei a ele: como você se tornou marxista? Ele me disse que era muito católico, mas, com o tempo, deixou de acreditar em Deus. Aí, ele me disse: quando deixei de acreditar em Deus, tive de colocar alguma coisa em seu lugar. Ou seja, ateísmo não é para qualquer um. Quando uma pessoa deixa de acreditar em Deus, tende a colocar qualquer coisa no lugar. Pode ser discos voadores, teorias da conspiração, astrologia, marxismo etc. Portanto, marxismo nada mais é do que uma religião. Inclusive com elementos bem tradicionais: conversão, guerra santa, martírio, santos, paraíso prometido, etc. Para encerrar, não tente buscar lógica no comportamento marxista, visto que esse é um comportamento baseado na fé e não na razão.

Terrorismo na França

Com um pouco de atraso, gostaria de fazer um breve comentário sobre o assassinato de doze cartunistas na França por terroristas ligados à Al Qaeda.

O ocidente está em guerra e o inimigo são extremistas mulçumanos. Essa guerra nos faz lembrar de outras com a qual mantém alguma semelhança. Durante a Grécia Antiga, na guerra de Esparta contra Atenas, tínhamos a contraposição de dois conjuntos de valores opostos e conflitantes. Esparta representava a vida tribal e Atenas, a sociedade aberta. Na Segunda Guerra Mundial, as coisas meio que se repetem. A Alemanha representava a nação militar, dedicada à guerra, enquanto a Inglaterra, a sociedade livre, dedicada ao comércio. Durante a Guerra Fria, os protagonistas foram União Soviética, regime autoritário e economia planificada, contra Estados Unidos, democracia e economia de mercado. Essa repetição de fatos trás à baila a seguinte questão: uma sociedade aberta sempre terá inimigos? Aparentemente sim. A sociedade aberta não é apenas mais livre e tolerante, ela é também mais próspera. Infelizmente, a inveja é um dos sentimentos mais destrutivos que existe. E é esse o sentimento que explica tanto ódio.

Charlie Hebdo: charges polêmicas

O desejo real dos grupos islâmicos radicais é destruir o ocidente e seus valores. Face ao atraso moral, intelectual e econômico em relação ao ocidente, os países islâmicos tinham duas alternativas: mudar suas instituições e se aproximar mais dos valores de uma sociedade aberta. Ou, transformar essa sociedade livre e próspera em um grande inimigo e começar uma guerra. Quem estudou um pouco que seja sobre povos tribais, nações militares e sociedades fechadas já saberia de antemão que o resultado seria esse a que estamos assistindo. Um cão não larga fácil de seu osso. Numa sociedade fechada, existem os donos do poder. A eles, não interessa mudança, é preferível a guerra.

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

O combate à pobreza como falha de mercado

Certa vez, quando ainda fazia graduação em Economia, ocorreu comigo e um colega de faculdade um episódio bastante interessante. Nós voltávamos para casa e eu dava carona para esse meu colega. Parados no trânsito, uma garotinha se aproximou de nós para pedir esmola. Não me lembro se dei alguma coisa ou não, mas me lembro que fiz um comentário. Algo do tipo, que país injusto, o governo deveria fazer alguma coisa por essas pessoas. Meu amigo era um defensor canino do liberalismo econômico. Eu já não era mais marxista, concordava com a economia de mercado e tudo mais. Mas meu singelo comentário despertou a fúria em meu amigo, que me chamou de socialista e me acusou de querer fazer caridade com dinheiro alheio. Num primeiro momento, tentei argumentar, mas, quando percebi que ele ficava cada vez mais nervoso, deixei para lá. Prefiro ter paz a ter razão.

Pobreza, um problema complexo

Tempos depois, li no livro Introdução à Economia, de Gregory Mankiw, um exemplo que tem muito a ver com esse episódio. Antes de tudo, convém deixar claro. Mankiw é um economista neoclássico, professor da universidade de Havard e sem nenhuma simpatia por idéias socialistas.

Nesse livro, Mankiw argumenta que o combate à pobreza pode ser interpretado como uma falha de mercado. A idéia é simples. Existem situações em que o mercado falha e nesses casos a intervenção governamental se faz necessária. Um exemplo fácil de entender é a poluição. Na linguagem que só os economistas compreendem, poluição é uma externalidade negativa. Uma empresa poluidora impõe um ônus à sociedade e não paga nada por isso. Se o governo não impuser algum tipo de restrição, o problema não se resolverá naturalmente pelas forças de mercado.

Muito bem, o combate a pobreza é uma falha de mercado? Segundo Mankiw, sim. Pelas mais diferentes razões, a maioria das pessoas não gosta da pobreza. Alguns a consideram triste e degradante. Outros associam pobreza com violência, roubos e tráfico de drogas. Alguns detestam a desordem provocada por indigentes, tais como acampamentos improvisados, lixo espalhado pela rua, calçadas sujas etc. Mas, se nada disso o convenceu, há um argumento que é quase irresistível. Pessoas pobres, de modo geral, têm menos escolaridade, são menos informadas e tendem a escolher mal seus representantes políticos. Conclusão, a maior parte das pessoas está disposta a abrir mão de uma parte de sua renda para combater a pobreza.

O tal do meu amigo, a quem me referi no início do texto, entre outras coisas, me disse. Se você quer fazer caridade, faça com seu dinheiro. O grande problema, porém, é que a caridade privada não é um bom instrumento de combate à pobreza. Essa é uma daquelas situações em que o mercado falha, por que trata-se de um bem não excludente. Ou seja, alguém pode pegar carona, beneficiar-se sem estar contribuindo.

Vejamos um exemplo. Eu sou a favor do combate à pobreza e estou disposto a contribuir voluntariamente com dez reais por mês para resolver esse problema. João, Maria, Paulo e mais algumas centenas de milhares de pessoas pensam da mesma forma. Resolvemos, então, nos associar em prol desse objetivo comum. Depois de um tempo, faço a seguinte reflexão. Meus dez reais não são tão fundamentais assim. Vou deixar de contribuir e usufruir dos benefícios de uma sociedade livre de pobres sem ter de pagar nada por isso. Depois disso, João, Maria, Paulo e mais algumas milhares de pessoas tomam a mesma decisão. Por fim, tem-se o desbaratamento total da bem intencionada associação. Conclui-se, a partir desse exemplo, que a caridade privada não é um instrumento eficiente de combate à pobreza. Se as pessoas querem, de fato, solucionar esse problema, terão de recorrer ao poder coercitivo do Estado. Com certeza, meu amigo liberal empedernido simplificou demais os fatos e não foi capaz de perceber toda a sutileza dessa questão. Sejamos liberais, mas que não nos falte o bom senso.

domingo, 4 de janeiro de 2015

Esquerda, direita e o formato da roda

Certa vez um amigo meu marxista-comunista-esquerdista me enviou um e-mail com link para uma reportagem. Tratava-se de um estudo feito nos Estados Unidos relacionando inteligência e posicionamento ideológico. De acordo com essa pesquisa, as pessoas de esquerda são em média mais inteligentes que as pessoas de direita. Meu amigo adorou. Provavelmente, ele deve ter pensado. Se as pessoas de esquerda são mais inteligentes, eu, como sou de extrema esquerda, devo ser muito inteligente, inteligentíssimo, talvez um gênio. Tive, então de explicar a ele que as coisas não são bem assim.

Ser de esquerda ou de direita são coisas completamente diferentes no Brasil e nos Estados Unidos. As pessoas de direita, nos Estados Unidos, são a favor do livre-mercado e estão sempre dispostas a reduzir impostos e o tamanho do Estado. Também tendem a ser mais religiosas e conservadoras em relação a certas questões de ordem moral como casamento gay, legalização do aborto, legalização do comércio de drogas etc. Os esquerdistas também são a favor do livre mercado, mas aceitam pagar mais impostos para ter um Estado mais atuante, sobretudo na área social. São menos religiosos e mais abertos em relação a questões relacionadas a liberdades individuais.

No Brasil, e em parte da América Latina, o nível da discussão está mais ou menos um século atrasada. As pessoas de esquerda defendem o Estado produtor e, portanto, são contra as privatizações. Alguns são contra a livre iniciativa e defendem a socialização dos meios de produção, experiência essa que deu errado em todas as partes do mundo onde foi aplicada. Os intelectuais que defendiam essas idéias nos Estados Unidos, até início dos anos 1990, eram chamados de radicais e não de esquerdistas. Como essa turma já morreu e não deixou sucessores, acredito que esse termo nem esteja mais sendo utilizado por lá.

Vejamos um exemplo do pensamento político na América do Norte. O filósofo John Rawls (1921-2002) é considerado um ícone do pensamento de esquerda nos Estados Unidos. Aqui no Brasil, algumas pessoas o consideram de direita. Por essa razão que busco evitar esses termos, direita e esquerda. Cada pessoa tem um entendimento diferente do que esses conceitos significam e isso impossibilita ou pelo menos dificulta o diálogo. Mas voltemos ao pensamento de Rawls. Esse filósofo tentou elaborar uma teoria sobre a justiça e concluiu que uma sociedade mais igualitária é também uma sociedade mais justa.

John Rawls: filósofo político

Para entender como isso funciona, vamos fazer um exercício de imaginação. Suponhamos que nós estamos em uma sala de espera. Nós ainda não nascemos, mas vamos nascer. Nós sabemos como o mundo é, mas não sabemos em que condições iremos nascer. Nós sabemos, por exemplo, o que é pobreza, desigualdade, violência, preconceito, racismo, homofobia etc. Mas nós não sabemos como vamos nascer. Podemos nascer homem ou mulher, rico ou pobre, preto ou branco, heterossexual ou homossexual, inteligente ou desprovido de inteligência etc. Se tivéssemos de fazer essa escolha, sob o “véu da ignorância”, provavelmente escolheríamos nascer em uma sociedade com menos desigualdade. Pelo menos pessoas ocidentais e com um nível de instrução razoável, tendem a fazer essa escolha. A conclusão é muito simples. Uma sociedade mais igualitária é também uma sociedade mais justa.


Vejamos um exemplo. Homens com um talento fantástico para o futebol e mulheres extremamente bonitas tendem a ganhar mais dinheiro no mercado que jogadores pernas de pau e mulheres feias. Será que isso é justo ou o governo deveria interferir nesse mercado e tornar os resultados menos desiguais? Se você responder sim, você é de esquerda. Se responder não, é de direita. Considero esse um debate de alto nível. Mas infelizmente a discussão não atingiu esse patamar no Brasil. Ainda estamos debatendo o que é melhor para o país, uma economia de mercado ou a estatização dos meios de produção. Em outras palavras, ainda estamos discutindo qual o melhor formato para uma roda. Deve ela ser redonda, ou deveria ser quadrada? 

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

O que esperar do novo governo Dilma

Quando comecei a escrever esse blog, meu objetivo era tratar somente de Economia Política. Mas, com a posse da nova-antiga presidente, resolvi abrir uma exceção. Não vou falar aqui dos desvios na Petrobrás, nem da mudança de rumo na política econômica e nem do presidencialismo de coalizão. Enfim, não vou tratar desses assuntos que estão sendo explorados pela mídia com exaustão. Vou fazer aqui uma breve reflexão sobre o que é o PT.

Dilma toma posse

Com a redemocratização do Brasil, na década de 1980, era mais que previsível que um partido de esquerda se firmasse no cenário político brasileiro. Isso, a princípio, parecia algo positivo. O Brasil tem uma história nada briosa, marcada pela pobreza, injustiça e desigualdade social. Um partido que representasse os interesses dessa gente sofrida e sempre deixada em segundo plano foi algo que agradou a muitos. Trabalhadores, intelectuais, artistas e pessoas comuns se juntaram para dar um novo rumo ao país.

O problema é que esses intelectuais tinham uma visão socialista do mundo. Eles eram anti-capitalistas, anti-livre-comércio, anti-livre-iniciativa, anti tudo que na cabeça deles estava associado àquele quadro de desigualdade e injustiça que perdurou durante séculos no Brasil. Por isso o PT começou como o partido do contra tudo. Eles votaram contra a Constituição Federal (1988), contra o Plano Real (1994), contra o sistema de metas de inflação (1999), contra a Lei de Responsabilidade Fiscal (2000), entre outros. Conclui-se que os avanços institucionais ocorridos no Brasil desde a redemocratização ocorreram apesar do PT e jamais por causa dele.

Após ser derrotado várias vezes na disputa pela Presidência da República, Lula percebeu que o discurso petista teria de ser mudado, caso contrário, o PT jamais chegaria ao posto mais alto do Executivo. Com muito marketing, o “sapo barbudo” foi transformado em “lulinha paz e amor”. E dessa forma, Lula chegou lá.

Na presidência, Lula percebeu que não era somente o discurso que estava errado. O projeto que eles tinham para o país, uma mistura indigesta de marxismo com desenvolvimentismo keynesiano terceiro mundista, era na realidade um enorme abacaxi. Se aquela paranoia ideológica fosse colocada em prática, o Brasil iria à bancarrota e isso seria o fim do PT. Mas, Lula, com sua esperteza macunaímica, soube dar a volta por cima. Ele manteve a política econômica de seu antecessor, FHC, e disse ao povo brasileiro que estava mudando o país, mas de forma lenta e responsável. De acordo com suas palavras, não era aconselhável dar um “cavalo de pau em um transatlântico”. Para sua sorte, houve, durante a sua gestão, um aumento significativo no preço das commodities no mercado internacional. O cenário externo favorável somado à estabilidade econômica herdada do seu antecessor proporcionaram um bom crescimento do PIB durante o seu governo.

Segundo o economista e filósofo austríaco Friedrich Hayek, em uma economia socialista, são sempre os piores que chegam ao poder. Pois, diante da malandragem de Lula, se havia gente bem intencionada no PT, esses foram formando uma fila e dando adeus ao partido. Ficaram os espertalhões, cínicos e gananciosos. Por isso é um erro dizer que o PT é um partido de esquerda. O PT não tem ideologia, não tem escrúpulos, não tem projeto de governo. O objetivo é simplesmente alcançar, manter e usar o poder em benefício de um determinado grupo. É usar o país para servir ao partido, enquanto o certo seria o partido servir ao país. O PT ainda mantém aquele discurso esquerdista meio requentado. Consegue convencer os ingênuos que acham que o país avançou muito com os governos Lula e Dilma. No que diz respeito aos escândalos de corrupção, esse é o preço que se paga para se ter uma sociedade mais justa e igualitária. Afinal, não há como se fazer uma omelete sem quebrar os ovos.

Com relação ao governo Dilma 2, o que podemos esperar? Penso que nada de positivo. Os ministérios já foram cínica e vergonhosamente loteados entre a tal base aliada. Entre outras aberrações, alguém em sã consciência acredita que não existem brasileiros mais qualificados que Aldo Rebelo para ocupar o Ministério da Ciência e Tecnologia? O Brasil precisa de uma reforma política urgente. Mas será que o PT quer essa reforma? Para o partido, as coisas parecem que estão indo bem desse modo. E, mesmo que quisesse, Dilma, enfraquecida pelo petrolão, não teria força para levar em frente tal mudança. Portanto, novamente, o que esperar desse governo? Eu não espero nada, torço apenas para que as coisas não fiquem ainda piores. 

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Senior e os salários

A China já é a segunda maior economia do mundo e ninguém duvida de que, em mais alguns anos, será primeira. Qual o segredo do dinamismo econômico chinês? Pode-se dizer que é um conjunto de fatores que fazem da China um país muito amigável ao investimento privado. Isso tem a ver com o custo da mão-de-obra, qualidade da infra-estrutura, segurança jurídica etc. A economia chinesa vai bem, mas o povo nem tanto. Os trabalhadores chineses trabalham muito, ganham pouco e têm poucos benefícios sociais. Será que esse é o preço do desenvolvimento ou as coisas poderiam ser diferentes?

Trabalhadores chineses: sacrifício intergeracional

No século XIX, o economista inglês Nassau Senior concluiu que reivindicações trabalhistas eram uma ameaça ao capitalismo. Todos nós sabemos que salários são preços e a maioria dos preços se forma no mercado. Mas, talvez com os salários, as coisas não sejam exatamente assim. Adam Smith, proeminente defensor do liberalismo, dizia que os salários se formavam através de um conflito de classes. E essa não era uma luta entre iguais, os capitalistas tinham mais recursos financeiros, capacidade de influenciar o governo e a opinião pública e por isso, quase sempre, levavam vantagem.

Quando Senior começou a estudar Economia, tinha uma visão otimista em relação ao futuro da classe trabalhadora. Ele recusou a Teoria da População de Malthus. Acreditava que ganhos de produtividade na agricultura e o aprimoramento moral da classe trabalhadora conduziriam os pobres a uma situação de maior prosperidade. Porém, nas décadas de 1820 e 1830, um fato fez Senior mudar radicalmente suas idéias. Nesse período, ocorreram violentas revoltas de trabalhadores. Senior ficou assustado com o que estava ocorrendo e concluiu que a fúria e a ignorância da classe trabalhadora poderiam destruir o capitalismo inglês.

No século XVIII, alguns economistas já diziam que a economia está submetida a certas “leis naturais”. Por exemplo, preços se formam de acordo com a lei da oferta e demanda. Se governo ir contra essa lei e tentar fixar preços, pode gerar excessos de oferta ou escassez de determinado produto. Quem se lembra do Plano Cruzado, em 1986, sabe bem do que estou falando: preços congelados, racionamento e prateleiras vazias nos super mercados. Muito bem, a ideia de Sênior é muito fácil de entender. Os salários se formam de acordo com uma “lei natural”, que pode inclusive ser expressa através de uma equação matemática bem simples:

salários = fundo de salários / número de trabalhadores  

Essa teoria ficou conhecida como Doutrina do Fundo de Salários. Os salários se formam através de uma regra matemática e não através da luta social ou política como pressupunha Smith. Reivindicações trabalhistas tendem apenas a prejudicar o bom funcionamento da economia. A única forma de aumentar salários seria através de um aumento do fundo de salários (o recurso que a empresa dispõe previamente para pagar empregados) ou redução do número de trabalhadores. Como reduzir o número de trabalhadores não é algo possível ou até mesmo desejável no curto prazo, a solução é aumentar o fundo de salários. Isso aconteceria através de mais liberdade para atuação das empresas e redução ou extinção das leis de combate a pobreza. Essas ações trariam mais vigor ao capitalismo e possibilitariam aumento dos salários no longo prazo.

A teoria de Senior está correta na sua essência, mas uma observação tem de ser feita. Se a China continuar crescendo e tornar-se uma nação rica, beneficiará as gerações futuras em detrimento da geração atual. Em outras palavras, a geração presente tem de se sacrificar para que as próximas gerações possam usufruir desse benefício. Será que todos os chineses estão dispostos a realizar esse sacrifício? Será que esse modelo seria exequível em uma democracia, ou revoltas de trabalhadores destruiriam o capitalismo chinês? Como não compactuo com ditaduras, acho que o povo deveria gozar da liberdade de se manifestar contra ou a favor desse modelo de desenvolvimento. E, como acredito na teoria de Smith de que as pessoas são essencialmente egoístas, concluo que o modelo de desenvolvimento chinês não funcionaria num regime democrático. Todos sabemos que os regimes autoritários são muito eficientes para conseguir colocar em prática uma política econômica, seja ela boa ou ruim. A China é um excelente exemplo disso.