Quando a apresentadora Hebe
Camargo morreu, foi ao ar uma reportagem mostrando como era sua casa e como ela
vivia. Acho que todo mundo sabe que Hebe gostava de luxo. Entre muitos objetos
luxuosos, um me chamou a atenção. Hebe tinha um telefone cravado de diamantes.
Aquilo devia valer uma fortuna. Na minha cabeça, e provavelmente nas de várias
pessoas que estavam assistindo à reportagem, veio uma pergunta: é justo uma
pessoa viver em meio a tanta riqueza em um país repleto de miseráveis? E se eu
considerar injusto, significa que eu sou de esquerda? Mas ser de esquerda não
significa apoiar as safadezas do PT, a ditadura em Cuba e a Revolução Bolivariana
na Venezuela? Será que é possível ser a favor de uma distribuição mais justa da
renda sem apoiar essas idéias ultrapassadas? Bem, vamos tentar responder a
essas questões.
Direita ou esquerda? Como você se classifica?
O que significa ser de
esquerda ou de direita? Existem várias interpretações sobre esse tema. Eu posso
dizer que esquerda é quem está do lado dos pobres e direita é quem está do lado
dos ricos. Quem entende as coisas dessa forma tem uma tendência a ser no mínimo
de centro esquerda. Esquerdista é um sujeito bom, que pensa no próximo e que
sente compaixão. Já o direitista é um sujeito mau, ambicioso, egoísta e inescrupuloso.
Jesus Cristo seria de esquerda, mas Stalin seria de direita. Stalin de direita?
Espera aí. Acho que essa interpretação não está muito boa. Vamos tentar outra.
A esquerda representa os
interesses da classe trabalhadora e a direita representa os interesses dos
capitalistas. Melhorou, conseguimos tirar Stalin da direita e jogá-lo para a
esquerda. Muito bem. Mas será que a classe trabalhadora em Cuba está contente
com a ditadura dos irmãos Castro? Ditaduras comunistas (de esquerda)
conseguiram melhorar o padrão de vida dos trabalhadores? Os operários que se
levantaram contra o governo e derrubaram o comunismo na antiga União Soviética eram
de direita ou de esquerda? Parece que essa interpretação é meio confusa. Vamos partir
para outra então.
A esquerda quer mais Estado
e menos mercado. A direita quer mais mercado e menos Estado. Isso significa
que, se eu sou de esquerda, eu sou contra as privatizações. Ser de esquerda
significa querer um Estado cada vez maior, mais inchado e inevitavelmente mais corrupto
e ineficiente. Ou seja, todo esquerdista é burro. Como eu não sou burro, vou
ser de direita. Mas eu sou contra certas injustiças de uma economia de mercado
e sou favorável a políticas de inclusão social. Eu não me sinto um cara de
direita. Essa interpretação também não está me agradando. Será que tem mais
alguma? Há mais uma ainda. E essa tem de funcionar, pois é a última.
A esquerda está disposta a
sacrificar a liberdade para haver mais igualdade. A direita não se dispõe a
esse sacrifício. Essa definição é um pouco mais complexa. Vamos pensar. Existe
alguma incompatibilidade entre liberdade e igualdade? Sim, existe. Nós, seres
humanos, não somos insetos gregários. Nós não somos todos iguais ou quase
iguais como formigas, baratas ou cupins. Há uma diversidade enorme dentro da
espécie humana. Algumas pessoas são mais inteligentes, bonitas, talentosas,
criativas etc. Outras pessoas são justamente o oposto. A natureza foi cruel na
hora de distribuir essas qualidades.
Logicamente que as pessoas
mais inteligentes, bonitas, talentosas e criativas terão mais facilidade para
ganhar dinheiro em uma economia capitalista que as pessoas sem essas
qualidades. Ainda que todos partam de um mesmo ponto de largada, algumas
pessoas chegarão mais longe, terão mais êxito e ganharão mais dinheiro ao longo
da vida que outras. Isso é inevitável.
Se o governo quiser reduzir
a disparidade no resultado final, terá de agir como Robin Hood. Ou seja, tirar
dos ricos para dar aos pobres. Mas essa política de redução de desigualdades
não é autoritária? Em outras palavras, ela não diminui a liberdade dos mais bem
sucedidos? Sim, com certeza. Ninguém paga imposto porque gosta, paga porque é
obrigado. Se o governo quiser reduzir desigualdades, terá de usar seu poder de
coerção. Quanto mais igualdade o governo promove, mais ele reduz a liberdade
individual. De acordo com essa
interpretação, quanto mais eu apoio políticas que promovam igualdade reduzindo
liberdade, mais de esquerda eu sou. Quanto mais eu rejeito esse tipo de
política, mais eu me enquadro como uma pessoa de direita.
Os esquerdistas argumentam
que uma sociedade mais igualitária é mais justa porque, na loteria da vida,
todos gostaríamos de ter sido premiados pela mãe natureza. Mas como a natureza
não costuma ser justa e premia as pessoas de forma muito desigual, o governo,
mediante política sociais, deve aparar as arestas, reduzindo os extremos.
Por exemplo, Hebe Camargo,
quando jovem, era uma mulher muito bonita. Ela também era cantora, mas acredito
que não tinha nenhum talento muito especial nesse quesito. Posteriormente,
tornou-se apresentadora de televisão. Com sua simpatia e um forte carisma
pessoal, Hebe conseguiu conquistar o coração de milhões de fãs por todo Brasil.
Carisma significa fãs, que significam audiência, que significa dinheiro. Hebe
ganhou muito dinheiro, ficou milionária e passou a viver bem ao seu estilo,
cercada de luxo.
Acho que mulheres talentosas
como Hebe despertam inveja em todas ou quase todas outras mulheres. Assim como
um jogador de futebol como Cristiano Ronaldo desperta a inveja de muitos
homens. Todos nós gostaríamos de ter nascido com grandes qualidades. Mas
poucos, pouquíssimos, têm esse privilégio.
Voltemos a nossa questão
inicial. É justo que, em um país com tanta miséria, algumas pessoas vivam
cercadas de luxo? Eu já refleti muito sobre esse assunto. Minha conclusão
pessoal é que isso não é justo e o governo deve sim reduzir um pouco as
arestas. Para isso, o governo deve cobrar impostos progressivos dos mais ricos.
Ou seja, quem é mais rico paga proporcionalmente mais. E com esses recursos
aliviar os sofrimentos causados pela pobreza extrema. Vejam bem, aparar arestas
é muito diferente de promover uma igualdade absoluta. Essa idéia eu não
defendo, nem nunca defendi.
Será que eu devo ser
enquadrado como esquerdista por pensar assim? Bem, tirem vocês suas conclusões.
Particularmente, não gosto desses rótulos porque estão eivados de preconceitos.
Não me considero nem de esquerda, nem de direita. Meu posicionamento é o
seguinte: não acredito que uma sociedade com desigualdades extremas seja
salutar. Por outro lado, repudio com veemência qualquer tipo de autoritarismo.
Acho que acima de tudo temos de ter bom senso. Temos de saber dosar liberdade
com igualdade. Como se costuma dizer, a diferença entre o remédio e o veneno
pode estar na dose.