O mercantilismo foi um
período de transição do feudalismo para capitalismo. Essa transição durou
aproximadamente trezentos anos e envolveu os séculos XVI, XVII e XVIII. Foi
justamente nesse período que se formaram os principais Estados Nacionais
europeus – Inglaterra, França, Espanha, Holanda etc. Dentro desse contexto
histórico, as pessoas começaram a
desenvolver um forte sentimento de nacionalidade, que não existia até então. E,
no bojo dessas transformações, surge naturalmente uma questão fundamental: o
que explica a riqueza ou pobreza das nações? Por que algumas nações são ricas e
outras são pobres? Os reis, mais que qualquer outra pessoa, queriam saber o que
fazer para tornar suas respectivas nações mais ricas e poderosas.
O mercantilismo acabou de fato?
Essa pergunta chegou
naturalmente aos homens inteligentes da época. Eles não eram acadêmicos ou
intelectuais. Eram simplesmente comerciantes, homens de negócios bem sucedidos.
Esses mercadores (ou mercantilistas) apresentaram uma resposta muito tosca para
o grande questionamento dos reis. Eles disseram que a riqueza de uma nação
dependia essencialmente da quantidade de metais preciosos (ouro e prata) que a
nação conseguisse acumular.
Os mercantilistas cometeram
um erro muito freqüente em economia chamado de “falácia da composição”. O nome
pode soar estranho, mas a ideia é bem simples. Um raciocínio perfeitamente
lógico para um indivíduo não será necessariamente verdadeiro se considerarmos
um grupo de indivíduos. Vejamos um exemplo bem simples. Se João tem muito
dinheiro, João é rico. Se Pedro tem pouco dinheiro, Pedro é pobre. João e Pedro
são brasileiros. O governo brasileiro conclui que a melhor forma de eliminar a
pobreza é emitindo dinheiro e distribuindo aos pobres. Muito bem, se o governo
brasileiro usar tal medida, vai acabar com a pobreza? A resposta é não. A
riqueza de uma nação depende da sua capacidade de produzir bens e serviços e
não da quantidade de dinheiro circulando. Se o governo brasileiro emitir moeda
e distribuir aos pobres, em vez de riqueza, vai gerar somente inflação. Esse é
um exemplo clássico de falácia da composição.
Já disse aqui em outros
posts. É incrível a capacidade que as pessoas têm de acreditar em ideias ruins,
em teorias mal elaboradas. Foi justamente isso que aconteceu no século XVI. Os
reis adotaram o metalismo – crença de que a riqueza de uma nação era
proporcional a quantidade de metais preciosos acumulados – como uma verdade
absoluta. E o que os reis poderiam fazer para acumular metais preciosos?
Simples, aumentar as exportações (entrada de ouro) e diminuir as importações
(saída de ouro). Vejam, não é preciso muito esforço para perceber que há algo
de errado no pensamento mercantilista. É possível que todos os países do mundo
aumentem simultaneamente as exportações e diminuam as importações? É evidente
que não. As exportações de um país são as importações de outro.
Levou muito tempo para que
as pessoas entendessem que comércio internacional traz vantagens por outros
motivos. De acordo com a teoria econômica clássica, a vantagem do comércio
entre nações reside no fato de que cada país vai se especializar e exportar bens
em que é relativamente mais eficiente e irá importar bens em que é
relativamente menos eficiente.
Vejam um exemplo bem
simples. O Brasil, por ser um país de clima tropical, tem vantagens na produção
de café. A Argentina, por ser um país de clima temperado, tem vantagens na
produção de trigo. Se houver comércio entre Brasil e Argentina, naturalmente o
Brasil vai produzir e exportar café. A Argentina vai produzir e exportar trigo.
Quem saiu ganhando nesse jogo entre Brasil e Argentina? Logicamente que os dois
países saíram ganhando. O comércio internacional é, portanto, um jogo de soma
positiva, um jogo em que todos ganham. Esse entendimento do comércio
internacional desenvolvido pelos economistas clássicos é bem superior à visão
mercantilista. Concordam? Para os mercantilistas, o comércio era um jogo de
soma zero. Um jogo em que, para alguém ganhar, outro tem de perder. O
exportador ganhava porque havia um fluxo positivo de ouro para esse país. O
importador perdia, porque havia uma saída de ouro do país.
O pensamento mercantilista
está ultrapassado, mas será que ele desapareceu por completo? Infelizmente,
não. Até hoje, existem pessoas que pensam como os mercantilistas, que entendem
que uma economia de mercado funciona como um jogo de soma zero, em que, para
alguém ganhar, outro tem de perder.
Vejamos um exemplo. Imagine
uma cidadezinha pobre, sem graça, perdida no meio do nada. Eis que num
determinado momento, uma grande empresa resolve construir ali uma fábrica de
suco de laranja para exportação. Essa empresa compra laranjas, extrai o suco,
transforma esse suco em uma espécie de pasta concentrada, acondiciona essa
pasta em tonéis e vende a produção principalmente para outros países. Essa
empresa gera muitos empregos e renda. Propriedades agrícolas improdutivas
transformam-se rapidamente em produtores de laranja para abastecer a fábrica. O
aumento da renda gera um incremento no comércio e no setor de serviços na
cidade. Todos saem ganhando, não há perdedores nesse jogo. Mas algumas pessoas
discordam, têm uma visão meio que mercantilista do mundo. Para essas pessoas,
se alguém ganha em uma ponta, necessariamente alguém está perdendo em outra. É
como se a economia fosse um enorme bolo, se alguém recebe uma fatia maior,
outro recebe uma fatia menor.
Eu não vejo a economia como
um bolo a ser dividido, prefiro imaginá-la como o oceano. Segundo o economista
norte-americano Simon Kuznets (1901-1985), “o crescimento é como a maré alta: levanta
todos os barcos”. Ou seja, levanta tanto um transatlântico, como uma jangada. Voltando
aos mercantilistas, é interessante ressaltar que eles eram homens do mar. Devem
ter visto a maré alta levantar barcos diversas vezes. Mesmo assim, suas idéias
prevaleceram por trezentos anos. Será que serão necessários mais trezentos anos
para que os mercantilistas do presente entendam que a economia de mercado é um
jogo de soma positiva? Sinceramente, espero que não.