sábado, 21 de fevereiro de 2015

Mercantilismo do século XXI

O mercantilismo foi um período de transição do feudalismo para capitalismo. Essa transição durou aproximadamente trezentos anos e envolveu os séculos XVI, XVII e XVIII. Foi justamente nesse período que se formaram os principais Estados Nacionais europeus – Inglaterra, França, Espanha, Holanda etc. Dentro desse contexto histórico,  as pessoas começaram a desenvolver um forte sentimento de nacionalidade, que não existia até então. E, no bojo dessas transformações, surge naturalmente uma questão fundamental: o que explica a riqueza ou pobreza das nações? Por que algumas nações são ricas e outras são pobres? Os reis, mais que qualquer outra pessoa, queriam saber o que fazer para tornar suas respectivas nações mais ricas e poderosas.

O mercantilismo acabou de fato?

Essa pergunta chegou naturalmente aos homens inteligentes da época. Eles não eram acadêmicos ou intelectuais. Eram simplesmente comerciantes, homens de negócios bem sucedidos. Esses mercadores (ou mercantilistas) apresentaram uma resposta muito tosca para o grande questionamento dos reis. Eles disseram que a riqueza de uma nação dependia essencialmente da quantidade de metais preciosos (ouro e prata) que a nação conseguisse acumular.

Os mercantilistas cometeram um erro muito freqüente em economia chamado de “falácia da composição”. O nome pode soar estranho, mas a ideia é bem simples. Um raciocínio perfeitamente lógico para um indivíduo não será necessariamente verdadeiro se considerarmos um grupo de indivíduos. Vejamos um exemplo bem simples. Se João tem muito dinheiro, João é rico. Se Pedro tem pouco dinheiro, Pedro é pobre. João e Pedro são brasileiros. O governo brasileiro conclui que a melhor forma de eliminar a pobreza é emitindo dinheiro e distribuindo aos pobres. Muito bem, se o governo brasileiro usar tal medida, vai acabar com a pobreza? A resposta é não. A riqueza de uma nação depende da sua capacidade de produzir bens e serviços e não da quantidade de dinheiro circulando. Se o governo brasileiro emitir moeda e distribuir aos pobres, em vez de riqueza, vai gerar somente inflação. Esse é um exemplo clássico de falácia da composição.

Já disse aqui em outros posts. É incrível a capacidade que as pessoas têm de acreditar em ideias ruins, em teorias mal elaboradas. Foi justamente isso que aconteceu no século XVI. Os reis adotaram o metalismo – crença de que a riqueza de uma nação era proporcional a quantidade de metais preciosos acumulados – como uma verdade absoluta. E o que os reis poderiam fazer para acumular metais preciosos? Simples, aumentar as exportações (entrada de ouro) e diminuir as importações (saída de ouro). Vejam, não é preciso muito esforço para perceber que há algo de errado no pensamento mercantilista. É possível que todos os países do mundo aumentem simultaneamente as exportações e diminuam as importações? É evidente que não. As exportações de um país são as importações de outro.

Levou muito tempo para que as pessoas entendessem que comércio internacional traz vantagens por outros motivos. De acordo com a teoria econômica clássica, a vantagem do comércio entre nações reside no fato de que cada país vai se especializar e exportar bens em que é relativamente mais eficiente e irá importar bens em que é relativamente menos eficiente.

Vejam um exemplo bem simples. O Brasil, por ser um país de clima tropical, tem vantagens na produção de café. A Argentina, por ser um país de clima temperado, tem vantagens na produção de trigo. Se houver comércio entre Brasil e Argentina, naturalmente o Brasil vai produzir e exportar café. A Argentina vai produzir e exportar trigo. Quem saiu ganhando nesse jogo entre Brasil e Argentina? Logicamente que os dois países saíram ganhando. O comércio internacional é, portanto, um jogo de soma positiva, um jogo em que todos ganham. Esse entendimento do comércio internacional desenvolvido pelos economistas clássicos é bem superior à visão mercantilista. Concordam? Para os mercantilistas, o comércio era um jogo de soma zero. Um jogo em que, para alguém ganhar, outro tem de perder. O exportador ganhava porque havia um fluxo positivo de ouro para esse país. O importador perdia, porque havia uma saída de ouro do país.

O pensamento mercantilista está ultrapassado, mas será que ele desapareceu por completo? Infelizmente, não. Até hoje, existem pessoas que pensam como os mercantilistas, que entendem que uma economia de mercado funciona como um jogo de soma zero, em que, para alguém ganhar, outro tem de perder.

Vejamos um exemplo. Imagine uma cidadezinha pobre, sem graça, perdida no meio do nada. Eis que num determinado momento, uma grande empresa resolve construir ali uma fábrica de suco de laranja para exportação. Essa empresa compra laranjas, extrai o suco, transforma esse suco em uma espécie de pasta concentrada, acondiciona essa pasta em tonéis e vende a produção principalmente para outros países. Essa empresa gera muitos empregos e renda. Propriedades agrícolas improdutivas transformam-se rapidamente em produtores de laranja para abastecer a fábrica. O aumento da renda gera um incremento no comércio e no setor de serviços na cidade. Todos saem ganhando, não há perdedores nesse jogo. Mas algumas pessoas discordam, têm uma visão meio que mercantilista do mundo. Para essas pessoas, se alguém ganha em uma ponta, necessariamente alguém está perdendo em outra. É como se a economia fosse um enorme bolo, se alguém recebe uma fatia maior, outro recebe uma fatia menor.

Eu não vejo a economia como um bolo a ser dividido, prefiro imaginá-la como o oceano. Segundo o economista norte-americano Simon Kuznets (1901-1985), “o crescimento é como a maré alta: levanta todos os barcos”. Ou seja, levanta tanto um transatlântico, como uma jangada. Voltando aos mercantilistas, é interessante ressaltar que eles eram homens do mar. Devem ter visto a maré alta levantar barcos diversas vezes. Mesmo assim, suas idéias prevaleceram por trezentos anos. Será que serão necessários mais trezentos anos para que os mercantilistas do presente entendam que a economia de mercado é um jogo de soma positiva? Sinceramente, espero que não.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Assistencialismo e desemprego

Durante a campanha à Presidência da República, a candidata Dilma Rousseff repetiu exaustivamente que uma das conquistas do seu governo foi a redução do desemprego. Isso é verdade. E, infelizmente, o candidato da oposição não soube explicar esse estranho paradoxo: como pode uma economia estagnada apresentar taxas decrescentes de desemprego?

Debate 2014: faltou dizer alguma coisa

Vou tentar responder a essa pergunta e, para efeitos de simplificação, vou fazer uma análise comparativa do desemprego no Brasil apenas nos anos de 2013 e 2014. De acordo com dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) efetuada pelo IBGE, o desemprego recuou de 5,4%, em 2013, para 4,8%, em 2014. Como o IBGE calcula esses números? Complicado? Nem tanto. Veja o diagrama abaixo, ele vai facilitar sua vida.

População total





População com menos de 10 anos

PIA





População não economicamente ativa


PEA

População com 10 anos ou mais (PIA)



Desempregados



População economicamente ativa (PEA)


Ocupados



Da população total do país, nós subtraímos as pessoas com menos de 10 anos. Chamamos a parte restante de População em Idade Ativa (PIA). Do que restou, subtraímos agora aqueles que não querem ou não podem trabalhar: aposentados, pensionistas, estudantes, donas de casa, encarcerados etc. Sobrou a famosa População Economicamente Ativa (PEA). Fazem parte da PEA as pessoas engajadas no mercado de trabalho. Ou seja, quem pertence à PEA tem de estar necessariamente trabalhando (ocupado) ou procurando emprego (desempregado). Portanto, desempregado é o sujeito maior de dez anos que está procurando emprego, mas não encontra. Finalizando, a taxa de desemprego é calculada da seguinte maneira:

Taxa de desemprego = Desempregados / População Economicamente Ativa

Uma outra relação também importante, embora não tão conhecida, é a taxa de participação da força de trabalho.

Taxa de participação da força de trabalho = PEA / PIA

O que o candidato Aécio poderia ter dito (mas não disse) é que a taxa de desemprego diminuiu, mas emprego também diminuiu. A taxa de participação da força de trabalho recuou de  57%, em 2013, para 56%, em 2014. Resumindo, a taxa de desemprego diminuiu não porque o país gerou mais empregos (muito pelo contrário) e sim porque aumentou o número de pessoas que nem trabalham, nem procuram emprego. Esse aumento de inativos tem alguma coisa a ver com os programas assistencialistas do governo, notadamente o Bolsa Família? É possível que sim, mas são necessárias mais análises para se chegar a um resultado mais conclusivo.

Sabe-se ainda que essa redução da PEA aconteceu sobretudo entre jovens de  18 a 24 anos. Muito bem, se esses jovens tivessem deixado de integrar a PEA porque um membro da família passou a receber assistência do governo e, em função disso, puderam se dedicar exclusivamente aos estudos, teríamos aí um fato para ser comemorado. Mas não foi isso que aconteceu. Entre 2013 e 2014, houve um aumento no número de jovens que não trabalham e nem estudam. A minha conclusão pessoal é que ainda não é possível afirmar isso com todas as letras, mas alguns fatos parecem indicar que a expansão desse arcabouço de proteção social no Brasil está criando um exército de inativos e isso não é nada bom.


domingo, 15 de fevereiro de 2015

O governo deve redistribuir renda?

Entre 1968 e 1973, durante o regime militar, o Brasil vivenciou o melhor período de desempenho econômico de sua história, que ficou conhecido como “Milagre Econômico”. Nesse intervalo de tempo, o Brasil teve um crescimento médio de 11% ao ano, queda da inflação e superávit no balanço de pagamentos. Mas, como nada é perfeito, o milagre teve o seu calcanhar de Aquiles. Durante esse período, houve um considerável aumento da concentração de renda no país.

Paraisópolis: o retrato da desigualdade

Aí surge a nossa questão fundamental. Por que houve aumento da desigualdade no período do milagre? A resposta mais aceita pelos economistas é que isso foi uma decorrência nas alterações ocorridas no mercado de trabalho. Com o aumento da atividade econômica, ocorreu também um crescimento na demanda por mão-de-obra. O problema é que houve um forte aumento na demanda por mão-de-obra qualificada e um pequeno aumento na demanda por mão-de-obra pouco qualificada. Resultado: os engenheiros, administradores e economistas tiveram um substancial aumento de renda. Por outro lado, os trabalhadores sem qualificação tiveram um pequeno aumento na renda.

Existe ainda uma segunda explicação para esse aumento na concentração de renda. É a folclórica “Teoria do Bolo”. Essa teoria é bem simples de entender. Para haver crescimento, é necessário investimento. Para haver investimento, é necessário poupança. Agora, pensem. Quem poupa mais? Os mais ricos ou os mais pobres? Logicamente que os mais ricos. Os mais pobres gastam toda (ou quase toda) sua renda em consumo. Conclusão, a concentração da renda estimula poupança, que estimula investimentos, que estimula o crescimento. Sabendo disso, os militares produziram intencionalmente um aumento na concentração da renda para gerar crescimento. Ou, como os que acreditam nessa teoria costumam dizer, era preciso fazer o bolo crescer para depois distribuir.

Fiz essa não tão breve introdução simplesmente para exemplificar uma teoria econômica: existe uma certa incompatibilidade entre crescimento e redistribuição de renda. O instrumento clássico que o governo usa para redistribuir renda é a política fiscal. O governo desempenha o papel de Robin Hood, tira dos ricos (aumento de impostos) e dá aos pobres (políticas sociais). Vejam, quando o governo pune os ricos, simplesmente por serem ricos, e recompensa os pobres, simplesmente por serem pobres, ele cria um estímulo à ineficiência. Ou seja, os ricos (mais eficientes) têm de pagar mais impostos (são punidos). Já os pobres (menos eficientes) recebem ajuda do governo (são recompensados). Você não precisa ser PhD pela Universidade de Chicago para deduzir o que vai acontecer à economia se o governo aprofundar muito políticas dessa natureza. Correto?  

O que dizem os defensores da redistribuição da renda? Pessoas que vivem em situação de pobreza extrema não têm condição de sair dessa situação sem algum tipo de estímulo externo. A pobreza extrema gera uma série de problemas sociais: aumento da violência e da criminalidade, uso de drogas, gravidez na adolescência, crianças abandonadas etc. A pobreza pode gerar também desperdício de capital humano. Imagine se Bill Gates tivesse nascido numa família muito pobre e que aos 14 anos de idade tivesse sido forçado a deixar os estudos e começado a trabalhar em um supermercado para ajudar na renda familiar. Será que, nessas condições, ele teria conseguido fundar a Microsoft? Acho pouco provável.

Grandes expoentes do pensamento liberal como Friedman e Hayek eram favoráveis a algum tipo de redistribuição de renda. Acho que eles – como sempre ou quase sempre – estavam corretos. Qual o tamanho dessa redistribuição? Logicamente não existe um número fechado para essa questão. Essa é mais uma daquelas situações em que a diferença entre o remédio e o veneno pode estar na dose.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Falácias marxistas: o exército industrial de reserva

Imagine um mercado de limões. O preço do limão é determinado de acordo com a oferta e a demanda. Se a oferta aumenta, o preço cai. Se a oferta diminui, o preço sobe. Digamos que o preço de equilíbrio seja quatro reais o quilo. Para esse preço, não existe excesso nem de oferta, nem de demanda. Suponhamos agora que o governo, para favorecer os consumidores, estipule um preço de três reais o quilo. Qual será o resultado? Haverá escassez de limões no mercado. Imagine agora o contrário. O governo, para favorecer os produtores, tabele o preço do limão em cinco reais. O que vai acontecer? Haverá excesso de oferta, irão sobrar limões no mercado. Qual lição podemos tirar desse exemplo tão simples? Fácil, que os preços, salvo algumas exceções, devem se formar no mercado.

Por que existe desemprego?

Esse exemplo, tão singelo, serve também para o mercado de trabalho? Sim, o mercado de trabalho não é muito diferente do mercado de limões. Oferta e demanda se ajustam em um preço de equilíbrio. O desemprego somente vai ocorrer se houver intervenção nesse mercado – seja do governo, seja dos sindicatos. Resumindo, o desemprego persistente tem sempre uma natureza institucional.

Vamos em frente. Avanço tecnológico gera desemprego? Se você respondeu sim, sugiro que volte e comece a ler o texto desde o início. A tecnologia gera transformações no mercado de trabalho, mas não desemprego. Por exemplo, até meados dos anos 1950, a maior parte da população brasileira vivia no campo. Com a mecanização da lavoura, essa mão-de-obra se deslocou para a indústria. E, posteriormente, com o avanço da automação e da robótica, os trabalhadores começaram a migrar da indústria para o setor de serviços.

Eu poderia dar vários exemplos aqui, mas vamos ficar com somente um. Como o avanço da informática impactou o mercado de trabalho? Ele criou mais postos de trabalho ou diminuiu? O avanço da tecnologia funciona sempre da mesma forma. Ele aumenta a demanda por mão-de-obra mais qualificada e diminui a demanda por mão-de-obra pouco qualificada. Com o desenvolvimento da informática, surgiu uma demanda por novos profissionais: programadores, técnicos e analistas. Por outro lado, diminuiu sensivelmente a demanda por datilógrafos e auxiliares de escritórios.

No século XIX, Karl Marx disse que o avanço da maquinaria, ou a substituição do homem pela máquina, gerava um excedente de desempregados, que ele chamou de exército industrial de reserva. Ou seja, o capitalismo, pela sua própria natureza, cria um contingente de trabalhadores inativos. Esse exército de desempregados faz com que os salários permaneçam baixos e inibe os trabalhadores empregados de reivindicarem aumentos.

Essa compreensão acerca do funcionamento de uma economia de mercado é muito tosca, mesmo levando-se em consideração a época em que Marx viveu. Não sabemos nem nunca saberemos se Marx de fato acreditava nessa tolice ou se queria ardilosamente, por meio dela, insuflar trabalhadores numa luta contra o capitalismo.

O avanço da tecnologia – ou, a substituição do homem pela máquina – não gera desemprego. Todo desemprego é gerado por normas intervencionistas elaboradas pelo governo ou pelos sindicatos.

Por incrível que pareça, a teoria de um exército industrial de reserva, de tão fácil refutação, atravessou séculos e continua viva até hoje, em pleno século XXI. Socialistas ainda costumam dizer que os trabalhadores ganham pouco porque o capitalismo gera um contingente de trabalhadores desempregados. É incrível a capacidade que o ser humano tem de criar suas próprias fantasias e acreditar nelas. Que realidade mais azeda essa! Tão azeda quanto um limão.

domingo, 8 de fevereiro de 2015

A Petrobrás deve ser privatizada?

Diante da profusão de desmandos envolvendo a Petrobrás, muitas pessoas se questionam: privatizar a estatal seria a solução? Eu estou convencido que sim. Privatizar a estatal resolveria não apenas o problema da corrupção, como tornaria a empresa mais eficiente. Se a receita funcionou para a Vale, para a Embraer e para bancos estaduais, por que não funcionaria para a Petrobrás?

Infelizmente, acredito que isso está a anos-luz de acontecer. A maioria dos brasileiros é contra tal medida. Há muito tempo, vem sendo difundida a falsa tese de que setores estratégicos têm de ser protegidos pelo governo. Se isso fosse verdade, deveríamos estatizar todo o agro-negócio do país. Existe algo mais importante, essencial e estratégico que a produção de alimentos?

Petrobrás: privatizar é a solução?

Um argumento favorável à privatização de estatais, de um modo geral, é que agentes econômicos tendem a ver uma empresa pública como um recurso comum e recursos comuns tendem a ser utilizados de forma predatória. Para explicar essa teoria, professores de economia costumam utilizar uma fábula, conhecida como A Tragédia dos Comuns.

Vamos a ela. Em uma cidade medieval, a principal fonte de renda das famílias era a criação de ovelhas para produzir lã. As ovelhas eram de propriedade privada, cada família tinha o seu rebanho. Mas o pasto era comunal, pertencia coletivamente a todos. Isso não era problema num primeiro momento em que a terra era um fator abundante. Porém, à medida que as famílias querem auferir mais renda, a quantidade de ovelhas começa a aumentar.  Chegamos finalmente a uma situação em que o número de ovelhas é tão grande que a área de pastagem fica completamente exaurida.

Uma solução para o problema seria a privatização da área comum. Se cada uma das famílias fosse proprietária de um pedaço da terra, elas cuidariam melhor do seu bem. Esse problema envolvendo recurso comum é conhecido de longa data. O filósofo grego Aristóteles disse: “o que é comum a muitos é o que recebe menos cuidados, por que todos têm maior preocupação com o que é seu do que aquilo que possuem em conjunto com outros”.   

A Tragédia dos Comuns pode nos ajudar a entender e a encontrar soluções para vários problemas. O ar que respiramos, a água do mar, dos rios, as florestas são recursos comuns e estão submetidos à utilização predatória. A solução, em algumas situações, pode estar na privatização.

Na África, elefantes são caçados por causa do marfim, que tem muito valor no mercado, e por isso correm risco de extinção. Por outro lado, as vacas, que também são animais valiosos, não correm esse risco. Qual a diferença? O elefante que vaga pelas savanas da África é um recurso comum. A vaca criada em uma fazenda é um bem privado.

Em alguns países africanos, o governo resolveu transformar os elefantes em bens privados. Numa primeira etapa, vários países proibiram a caça. Essa política era altamente dispendiosa e não conseguia solucionar o problema. Posteriormente, alguns países resolveram privatizar os elefantes. O dono dos animais podia abater e vender legalmente o marfim no mercado. Logicamente, o proprietário quer preservar os elefantes porque eles valem dinheiro. Essa segunda política se mostrou muito mais eficiente.

Voltando a falar da Petrobrás, eu vejo a estatal como uma espécie de recurso comum, como uma manada de elefantes selvagens, com longas e valiosas presas, vagando livremente pela savana. Os corruptos são caçadores fora lei, ansiosos por abater os animais e arrancar seus tão cobiçados dentes. Conter a ganância dos caçadores é impraticável. A solução é privatizar.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Bolsa Família, pão e circo

Segundo o economista inglês Thomas Malthus (1766-1834), a pobreza e o sofrimento humano eram o destino inevitável da maioria das pessoas e qualquer tentativa de reduzir esses males tornaria a situação ainda pior. Por isso, Malthus reprovava qualquer política redistributiva que tivesse por objetivo melhorar as condições de vida dos mais pobres.

No começo do século XIX, vários economistas (inclusive Malthus) tinham uma visão sombria concernente ao futuro do capitalismo. Para nossa sorte, esses economistas estavam errados. Com o passar do tempo, essa nuvem negra foi se dissipando e o capitalismo mostrou-se um sistema altamente eficiente no sentido de gerar riqueza para todos, inclusive para os mais pobres.

Bolsa Família: seria essa a solução?

Acho que todos concordamos que a pobreza excessiva é um problema social. Vejam bem, eu não estou me referindo aqui a justiça distributiva, que é um assunto bem mais complexo. A pobreza excessiva está altamente correlacionada a uma série de mazelas sociais, tais como: violência, uso de drogas, criminalidade, gravidez na adolescência, crianças abandonadas etc. Se tudo isso não bastasse, pessoas pobres, com baixa instrução, são mais facilmente manipuláveis e tendem a escolher mal seus representantes políticos.

Por conta disso, a parcela esclarecida da população normalmente apóia políticas que tenham por objetivo reduzir a pobreza. A questão fundamental aqui é: qual o instrumento mais eficiente para atingir esse objetivo? Muitos vão responder que é o acesso universal à educação de boa qualidade. Concordo plenamente. Porém há um detalhe importante. A educação consiste em uma estratégia de longo prazo. E no curto prazo, o que pode ser feito? O que fazer com os que passam fome? Livros saciam apenas nosso apetite intelectual.

Dentro desse contexto, surgiram as chamadas políticas de complementação de renda. Convém ressaltar que a matriz teórica dessas políticas está assentada nas idéias de Milton Friedman (1912-2006), um dos maiores defensores do liberalismo no século XX. Em seu famoso livro Capitalismo e Liberdade, ele sugere a criação de um imposto de renda negativo. A idéia é muito simples. Quanto mais rico for um indivíduo, maior a alíquota do imposto de renda. Já os pobres, em vez de pagarem, recebem uma ajuda em dinheiro. Quanto mais pobre, maior a ajuda.

Como liberal, Friedman nunca foi um ardoroso defensor de políticas de redistribuição de renda. Seu argumento, porém, é de fácil compreensão. Caso o governo resolva implementar uma política de combate à pobreza, que essa política seja na forma de uma ajuda em espécie e não em qualquer outro tipo de bem. Por uma razão muito simples, o indivíduo beneficiado sabe melhor que o governo quais são as suas principais necessidades. Somente a ajuda em dinheiro respeita o direito de escolha do consumidor. Por exemplo, para uma pessoa faminta e sem dentes, uma dentadura, em determinadas situações, pode ser mais necessária até mesmo que o próprio alimento.

Na década de 1990, quando as primeiras políticas de complementação de renda começaram a ser implementadas no Brasil, vários segmentos da sociedade, inclusive muitos economistas liberais, aprovaram a iniciativa com exaltação. Além de respeitar a soberania do consumidor (ajuda em espécie), essa política era considerada mais eficiente que as tradicionais porque estava focada nos mais pobres. Um programa universal – como subsídio à produção de alimentos, por exemplo – favorece tanto os ricos como os pobres. Como não é focado, há um desperdício de recursos públicos e uma perda de eficiência.

Programas sociais de caráter universal podem se transformar em mecanismos brutais de concentração de renda. O melhor exemplo desse caso no Brasil são as universidades públicas. Todos sabemos que os alunos dos cursos mais concorridos dessas universidades são oriundos de famílias de classe alta ou média-alta. Ou seja, estudantes de famílias de alto poder aquisitivo têm seus estudos integralmente bancados pelos contribuintes. Por outro lado, estudantes universitários de famílias pobres têm de ralar duro para pagar seus estudos com o dinheiro do próprio bolso. Muito justo isso, concordam?

Durante o governo Lula, os vários programas federais existentes destinados a complementar renda (Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio Gás etc.) foram unificados em um só programa, batizado de Bolsa Família. Com o passar do tempo, o Bolsa Família foi mostrando certas fragilidades, que mais para frente se transformaram em verdadeiras aberrações. Nem em seus piores pesadelos, Friedman poderia imaginar no que se transformaria sua criatura. Os beneficiários, em vez de ver o programa como um mecanismo de curto prazo que resgataria pessoas da miséria, passaram a entender que aquele dinheirinho mensal se tratava de um acréscimo definitivo em suas respectivas rendas. Em outras palavras, o programa tinha uma porta de entrada, mas não tinha (e continua não tendo) uma porta de saída.

Pior que isso foi uso eleitoral do programa. Durante a campanha para Presidência da República, a candidata Dilma Rousseff deitou e rolou ao falar sobre as grandes conquistas sociais de seu governo e de seu reverenciado grão-mestre. Disse que mais de 50 milhões de brasileiros são beneficiados com o Bolsa Família. Ou seja, aproximadamente um quarto de toda a população brasileira. Disse também que pretende ampliar o programa ainda mais e deixou a entender que os outros candidatos acabariam com o programa. Os beneficiários, logicamente, entraram em polvorosa e votaram massivamente na candidata do governo. Nesse circo de horrores, é evidente que o Bolsa Família foi um fator determinante para a vitória de Dilma.

Não é preciso ser doutor em economia para perceber que há algo de errado em um programa social que atende um quarto da população do país e continua sendo ampliado. Dilma e o PT não têm porque se orgulhar desses números. O ideal seria se o nosso país estivesse crescendo, gerando empregos e cada vez menos pessoas dependessem de políticas assistencialistas. Mas, em vez de crescimento, o PT, com sua “nova matriz econômica”, nos presenteou com estagnação da economia, crescimento da dívida pública e inflação. Além disso, o PT conseguiu criar um imbróglio demagógico de difícil solução. Ou melhor, dificílima solução. Aos pessimistas, porém, uma mensagem. Relaxem, não se desesperem, já temos pão, já temos circo. O melhor é curtir a festa.

Nota:

Próxima segunda-feira, dia nove de fevereiro, volto a lecionar. Minhas postagens ficarão menos freqüentes, mas prometo não abandonar o blog. E, como tenho feito até aqui, sempre que publicar um novo post, enviarei uma mensagem pelo Facebook.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Por que os impostos devem ser progressivos

De uns anos para cá, Miami se tornou o destino favorito dos brasileiros endinheirados. Pessoas de classe alta transformaram-se em sacoleiros de luxo, vão a Miami e retornam com malas e mais malas abarrotadas de quase tudo que se possa imaginar, de notebooks a carrinhos para bebê. Por que tudo nos Estados Unidos é tão barato em comparação ao Brasil? Os sacoleiros têm uma resposta na ponta da língua para essa pergunta. Por causa dos impostos. O Brasil tem uma das cargas tributárias mais altas do mundo. Mas isso é incrível concordam? Como os Estados Unidos conseguem oferecer serviços públicos de alta qualidade cobrando impostos tão baixos? E como o Brasil consegue ser tão ineficiente, cobrar tanto imposto e devolver serviços tão ruins? Os sacoleiros chiques têm uma resposta rápida para essa pergunta também. Por causa da corrupção. O dinheiro dos impostos no Brasil vai quase todo parar no bolso e na conta bancária de políticos corruptos.

Brasileiros: sacoleiros de luxo

Na verdade, as coisas não são bem assim. Nos Estados Unidos, as mercadorias em geral custam menos porque lá tributa-se pouco o consumo. Os norte-americanos tributam muito a renda e a riqueza e pouco o consumo de bens e serviços. Podemos dizer isso de uma outra forma. Nos Estados Unidos, predominam os impostos diretos (sobre renda e riqueza). No Brasil, predominam os impostos indiretos (sobre o consumo de bens e serviços).

Os impostos indiretos são por natureza regressivos, ou seja os mais pobres pagam proporcionalmente mais. Vejamos um exemplo bem simples. João (pobre) pagou 600 reais por uma bicicleta. Pedro (rico) comprou uma bicicleta idêntica e pagou também 600 reais. Suponha que 50% do valor da bicicleta (300 reais) seja decorrente de impostos indiretos. Se João tem uma renda de 1.200 reais, ao comprar a bicicleta, ele pagou 25% de sua renda em impostos. Se Pedro tem uma renda de 24.000 reais, ele gastou em impostos 1,25% de sua renda. Logicamente, os impostos indiretos penalizam os mais pobres.

O oposto acontece com os impostos diretos, esses penalizam os mais ricos. Suponha um imposto sobre a renda cuja alíquota seja diretamente proporcional (cresça na mesma direção) a essa. Se a alíquota do imposto de renda for de 5% para João, ele pagará 60 reais (5% x 1.200) de imposto. Se a alíquota for de 10% para Pedro, ele pagará 2.400 reais (10% x 24.000). Impostos progressivos incidem principalmente sobre os segmentos sociais de maior renda. Em outras palavras, os mais ricos pagam proporcionalmente mais.

Impostos diretos e indiretos têm vantagens e desvantagens. Entre os economistas, há os que defendem o primeiro modelo e os que defendem o segundo. Não vamos entrar aqui nessa discussão. Um ponto negativo óbvio dos impostos indiretos é que eles impõem maiores sacrifícios às classes sociais de menor poder aquisitivo. Em um país marcado pela forte desigualdade de renda entre os indivíduos como o Brasil, era de se esperar que o sistema tributário tivesse um caráter fortemente progressivo. Mas acontece justamente o contrário. No Brasil, predominam os impostos indiretos de caráter regressivo. Esse modelo logicamente ajuda a reforçar ainda mais o problema da desigualdade de renda já existente.

Para que vocês possam ter um entendimento melhor dessa questão, vamos fazer uma análise comparativa. No Brasil, nós temos um imposto sobre herança, ele é chamado de ITCMD – Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos. Esse imposto é estadual e sua alíquota varia conforme o estado, mas gira em torno de 4%. Nos Estados Unidos, também há um imposto sobre herança e essa alíquota pode chegar, no caso de pessoas muito ricas, a 40%. Por que vocês acham que Bill Gates disse que pretende doar 85% de sua fortuna? Porque, se ele não fizer isso, depois de sua morte, o governo vai abocanhar apenas 40% desse quinhão.

Nos Estados Unidos existe uma cultura muito forte de doação. Pessoas muito ricas costumam doar parte de suas fortunas a instituições de caridade, universidades, institutos de pesquisa etc. Por que eles fazem isso? Por benevolência? Pode até ser, mas com certeza um dos fatores que contribui para isso é o pesado imposto sobre herança. Se não doar, fica para o governo. E, como os norte-americanos não confiam muito no governo, preferem doar suas fortunas antes delas irem parar nas mãos do Leviatã.

Uma outra questão importante relacionada a esse assunto é a seguinte. Por que no ranking das melhores universidades do mundo há tantas universidades norte-americanas? Um dos fatores que responde a essa pergunta é que as universidades lá têm muito dinheiro para fazer pesquisa. E esse dinheiro vem principalmente de onde? Da mensalidade que os alunos pagam? Não, meus amigos. A maior parte desses recursos vem de doações. Bem diferente do Brasil, concordam comigo?

Para finalizar, eu gostaria de abordar ainda mais um ponto. O economista liberal John Stuart Mill (1806-1873) defendia a implementação de pesados impostos sobre herança baseada no argumento de que grandes heranças passadas de geração em geração criariam uma classe parasitária de rentistas. Parece que as idéias de Mill influenciaram a condução das políticas tributárias nos Estados Unidos.

Talvez muitos de vocês tenham ficado surpresos com esse post. Os Estados Unidos são mais socialistas que vocês imaginavam? Eu compreendo isso. Alguns supostos grandes entendedores de Economia Política (até relativamente famosos e populares) por desconhecimento ou preconceito tendem a simplificar muito os fatos e vender a falsa idéia de que liberalismo consiste simplesmente em cortar impostos e reduzir o tamanho do Estado. Acho que já deu para perceber que as coisas não são tão simples assim.