De uns anos para cá, Miami
se tornou o destino favorito dos brasileiros endinheirados. Pessoas de classe
alta transformaram-se em sacoleiros de luxo, vão a Miami e retornam com malas e
mais malas abarrotadas de quase tudo que se possa imaginar, de notebooks a
carrinhos para bebê. Por que tudo nos Estados Unidos é tão barato em comparação
ao Brasil? Os sacoleiros têm uma resposta na ponta da língua para essa
pergunta. Por causa dos impostos. O Brasil tem uma das cargas tributárias mais
altas do mundo. Mas isso é incrível concordam? Como os Estados Unidos conseguem
oferecer serviços públicos de alta qualidade cobrando impostos tão baixos? E
como o Brasil consegue ser tão ineficiente, cobrar tanto imposto e devolver
serviços tão ruins? Os sacoleiros chiques têm uma resposta rápida para essa
pergunta também. Por causa da corrupção. O dinheiro dos impostos no Brasil vai
quase todo parar no bolso e na conta bancária de políticos corruptos.
Brasileiros: sacoleiros de luxo
Na verdade, as coisas não são
bem assim. Nos Estados Unidos, as mercadorias em geral custam menos porque lá
tributa-se pouco o consumo. Os norte-americanos tributam muito a renda e a
riqueza e pouco o consumo de bens e serviços. Podemos dizer isso de uma outra
forma. Nos Estados Unidos, predominam os impostos diretos (sobre renda e
riqueza). No Brasil, predominam os impostos indiretos (sobre o consumo de bens
e serviços).
Os impostos indiretos são
por natureza regressivos, ou seja os mais pobres pagam proporcionalmente mais.
Vejamos um exemplo bem simples. João (pobre) pagou 600 reais por uma bicicleta.
Pedro (rico) comprou uma bicicleta idêntica e pagou também 600 reais. Suponha
que 50% do valor da bicicleta (300 reais) seja decorrente de impostos
indiretos. Se João tem uma renda de 1.200 reais, ao comprar a bicicleta, ele
pagou 25% de sua renda em impostos. Se Pedro tem uma renda de 24.000 reais, ele gastou em impostos 1,25% de sua renda.
Logicamente, os impostos indiretos penalizam os mais pobres.
O oposto acontece com os
impostos diretos, esses penalizam os mais ricos. Suponha um imposto sobre a
renda cuja alíquota seja diretamente proporcional (cresça na mesma direção) a
essa. Se a alíquota do imposto de renda for de 5% para João, ele pagará 60
reais (5% x 1.200) de imposto. Se a alíquota for de 10% para Pedro, ele pagará
2.400 reais (10% x 24.000). Impostos progressivos incidem principalmente sobre
os segmentos sociais de maior renda. Em outras palavras, os mais ricos pagam
proporcionalmente mais.
Impostos diretos e indiretos
têm vantagens e desvantagens. Entre os economistas, há os que defendem o
primeiro modelo e os que defendem o segundo. Não vamos entrar aqui nessa
discussão. Um ponto negativo óbvio dos impostos indiretos é que eles impõem
maiores sacrifícios às classes sociais de menor poder aquisitivo. Em um país
marcado pela forte desigualdade de renda entre os indivíduos como o Brasil, era
de se esperar que o sistema tributário tivesse um caráter fortemente
progressivo. Mas acontece justamente o contrário. No Brasil, predominam os
impostos indiretos de caráter regressivo. Esse modelo logicamente ajuda a
reforçar ainda mais o problema da desigualdade de renda já existente.
Para que vocês possam ter um
entendimento melhor dessa questão, vamos fazer uma análise comparativa. No Brasil,
nós temos um imposto sobre herança, ele é chamado de ITCMD – Imposto sobre
Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos. Esse imposto é
estadual e sua alíquota varia conforme o estado, mas gira em torno de 4%. Nos Estados
Unidos, também há um imposto sobre herança e essa alíquota pode chegar, no caso
de pessoas muito ricas, a 40%. Por que vocês acham que Bill Gates disse que
pretende doar 85% de sua fortuna? Porque, se ele não fizer isso, depois de sua
morte, o governo vai abocanhar apenas 40% desse quinhão.
Nos Estados Unidos existe
uma cultura muito forte de doação. Pessoas muito ricas costumam doar parte de
suas fortunas a instituições de caridade, universidades, institutos de pesquisa
etc. Por que eles fazem isso? Por benevolência? Pode até ser, mas com certeza
um dos fatores que contribui para isso é o pesado imposto sobre herança. Se não
doar, fica para o governo. E, como os norte-americanos não confiam muito no
governo, preferem doar suas fortunas antes delas irem parar nas mãos do
Leviatã.
Uma outra questão importante
relacionada a esse assunto é a seguinte. Por que no ranking das melhores
universidades do mundo há tantas universidades norte-americanas? Um dos fatores
que responde a essa pergunta é que as universidades lá têm muito dinheiro para
fazer pesquisa. E esse dinheiro vem principalmente de onde? Da mensalidade que
os alunos pagam? Não, meus amigos. A maior parte desses recursos vem de doações.
Bem diferente do Brasil, concordam comigo?
Para finalizar, eu gostaria
de abordar ainda mais um ponto. O economista liberal John Stuart Mill
(1806-1873) defendia a implementação de pesados impostos sobre herança baseada
no argumento de que grandes heranças passadas de geração em geração criariam
uma classe parasitária de rentistas. Parece que as idéias de Mill influenciaram
a condução das políticas tributárias nos Estados Unidos.
Talvez muitos de vocês
tenham ficado surpresos com esse post. Os Estados Unidos são mais socialistas
que vocês imaginavam? Eu compreendo isso. Alguns supostos grandes entendedores
de Economia Política (até relativamente famosos e populares) por
desconhecimento ou preconceito tendem a simplificar muito os fatos e vender a
falsa idéia de que liberalismo consiste simplesmente em cortar impostos e
reduzir o tamanho do Estado. Acho que já deu para perceber que as coisas não
são tão simples assim.
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