quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Crack: paternalismo não é a solução

Já faz tempo que venho planejando usar mais o transporte público e deixar o carro em casa. Uma necessidade de reparos fez com que essa ideia se tornasse realidade. Pois bem, hoje uso principalmente o metrô para me deslocar por São Paulo e acho que fiz uma boa troca. Uma das vantagens de se andar a pé é o contato com a cidade e as pessoas, mas às vezes vemos coisas que nos desagradam. Quase todos as noites desço na estacão Marechal Deodoro, por volta das 23 horas. Do lado de fora, há sempre vários moradores de rua deitados na calçada. Recentemente, tenho visto algumas pessoas distribuindo marmitas para esses indivíduos. Você, meu leitor, pode achar que essas pessoas estão fazendo um belo trabalho, mas eu não penso assim e vou dizer por que.

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Eu me mudei para São Paulo, vindo do interior do Estado, em 1986. Para quem não sabe, a década de 1980 é chamada pelos economistas de “década perdida”. Muitas coisas interessantes aconteceram nesse período, como o movimento Diretas Já, a Constituição de 1988, o fim da ditadura militar e por que não dizer o primeiro grande festival de rock no Brasil, o Rock in Rio. Pois bem, mas, do ponto de vista da economia, não há praticamente nada para comemorar. Na década de 1980, tivemos hiperinflação, desemprego, estagnação, crise da dívida externa etc. Mas, em 1986, em meio a esse caos na economia, quase não havia moradores de rua na cidade. Em 1994, conseguimos a tão sonhada estabilidade econômica e posteriormente a retomada do crescimento e do emprego.

No começo dos anos 2000, a alta no preço das commodities impulsionou o crescimento econômico. Havia um otimismo grande em relação ao Brasil, mesmo em outros países. Foi por essa época que a revista britânica The Economist estampou em sua capa uma imagem do Cristo Redentor na forma de um foguete decolando. Também foi por essa época que o grupo financeiro Goldman Sachs criou a acrônimo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) para se referir às principais economias emergentes da época. Toda essa empolgação em relação ao Brasil não convencia a todos. Uma vez minha irmã disse: como a economia pode estar melhorando se a população de rua não para de aumentar? Passei então a refletir sobre essa questão.


A solução para esse paradoxo é relativamente simples. Boa parte dos usuários de drogas perde tudo e passa a morar nas ruas. Ou seja, o número de moradores de rua aumentou, mesmo com o crescimento econômico, porque o consumo de drogas aumentou. Resumidamente, morador de rua e usuário de drogas são quase sinônimos. Quando alguém distribui comida para os moradores de rua, está na verdade alimentando usuários de drogas. E ao criar facilidades para esses indivíduos está, em realidade, a estimular o uso de entorpecentes. Portanto, essas pessoas de bom coração estão tornando um problema grave ainda maior.

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Muitos anos vivendo relativamente próximo à cracolândia, me fez ter uma visão muito cética em relação a esse assunto. Quando o prefeito de São Paulo João Dória implementou políticas para conter o comércio de drogas na região central, a cracolândia atravessou a Avenida Rio Branco e se instalou na Praça Princesa Isabel, bem próxima à minha casa. Nessa época, os moradores da região começaram a se mobilizar para que a cracolândia fosse retirada da praça. Eu me engajei nesse movimento, visitei a região da antiga cracolândia e conversei com várias pessoas com o objetivo de entender melhor o problema. Constatei que existem várias instituições, públicas e privadas, empenhadas em ajudar de diversas maneiras essa população. Na antiga cracolândia, conheci duas ONGs: Cristolândia e Bola de Neve. Além das ONGs, verifiquei que os governos estadual e municipal têm programas para quem quer deixar as drogas voluntariamente. Concluindo, minha visão desse assunto é bem malthusiana. Boa intenção não basta. Quem quer efetivamente ajudar os mais pobres deveria refletir bem pois na prática é impossível distinguir entre morador de rua e usuário de drogas. Dar comida, moradia ou o quer que seja para viciados em crack, sem exigir nenhum tipo de contrapartida, pode tornar as coisas ainda piores.