terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Malthus e a questão da pobreza

 No Rio de Janeiro, entre os bairros da Gávea e São Conrado, localiza-se a Rocinha, a maior favela (ou comunidade, como preferem os politicamente corretos) do Brasil. A Rocinha é um símbolo da gigantesca desigualdade de renda e riqueza existente no Brasil. Em São Paulo, as coisas não são muito diferentes. Cravada dentro do sofisticado bairro do Morumbi, está a favela de Paraisópolis. Novamente, riqueza e pobreza convivendo lado a lado. É difícil observar esses fatos e achar que tudo bem, que o capitalismo é um sistema justo, baseado na meritocracia. É fácil concordar com Smith e dizer que as pessoas são naturalmente egoístas, mas é difícil acreditar que a busca pelo interesse pessoal sempre leve a benefícios sociais.

Rocinha: retrato da desigualdade no Brasil

Por que existem pobres? É possível fazer algo para mudar essa situação? Ao longo do tempo vários economistas tentaram responder essas questões. As conclusões foram as mais diversas possíveis. Variaram entre simplesmente não fazer nada até a perpetração de uma revolução socialista. Comecemos nosso estudo desse assunto pelas idéias do pastor anglicano Thomas Malthus. O que esse homem muito religioso teria a dizer sobre uma questão tão delicada? Já vou responder a essa pergunta, mas convém lembrar antes de algo importante. A Revolução Industrial começou na Inglaterra, no final do século XVIII. Entre as diversas inovações tecnológicas introduzidas nesse período, a mais importante de todas foi, sem dúvida, a máquina a vapor. Junto com a maquinaria, vieram as fábricas e junto com as fábricas, as cidades industriais. A capacidade de produção de mercadorias cresceu de forma avassaladora. E todo esse fantástico desenvolvimento teve qual impacto na vida dos pobres? A resposta é surpreendente. A Revolução Industrial piorou sensivelmente a condição de vida da classe trabalhadora. A jornada de trabalho chegava a 18 horas. O trabalho era perigoso e acidentes eram freqüentes. Industriais preferiam contratar mulheres e crianças por serem mais obedientes e aceitarem salários mais baixos.

Diante de tanto sofrimento, surgem alguns intelectuais em defesa dos pobres, alguns com idéias socialistas. É dentro desse contexto que Malthus apresenta a sua Teoria da População. De acordo com Malthus, as pessoas são movidas por desejos sexuais quase que insaciáveis. Isso fazia com que as populações crescessem de acordo com uma progressão geométrica. Mais precisamente, as populações tenderiam a duplicar de tamanho a cada geração (aproximadamente 25 anos). Ora, todos nós sabemos que as populações não crescem numa proporção tão elevada assim. Segundo Malthus, alguns fatores como fome, guerras, pestes continham o crescimento populacional. Além disso, a produção de alimentos poderia crescer, na melhor das hipóteses, de acordo com uma progressão aritmética. Portanto, se todos os outros controles falhassem, um deles não falharia: a morte pela fome.

Qual a solução para a pobreza segundo Malthus? A resposta é simples. Não existe solução. A dor e o sofrimento constituem o destino da maior parte das pessoas que nascem nesse planeta e nada pode ser feito no sentido de diminuí-los. A diferença fundamental entre o rico e o pobre está no nível moral. Os pobres, diferentemente dos ricos, não conseguem conter seus desejos sexuais. Políticas redistributivas devem ser evitadas, pois fariam com que os pobres tivessem mais filhos, tornando o problema ainda pior.

Ao longo da minha vida, conheci algumas pessoas que tinham verdadeiro horror à Teoria da População de Malthus. Particularmente, acho que Malthus está certo em tudo que disse, exceto num ponto. Existe uma forma de diminuir a pobreza e o sofrimento humano. O acesso a educação de qualidade é o que pode libertar as pessoas do círculo vicioso da pobreza. Voltando a questão da Rocinha, concluímos que Malthus também está correto. A maioria das pessoas não conhece essa história: a comunidade da Rocinha, na década de 1930, era uma pequena roça, uma rocinha que abastecia com hortaliças moradores da zona sul do Rio de Janeiro. Essa rocinha foi acolhendo migrantes nordestinos que fugiam da fome e foi crescendo até tornar-se um bairro com dimensão de uma cidade, como é hoje. A história da rocinha não é muito diferente da de várias outras comunidades espalhadas pelos grandes centros urbanos do Brasil. E fica para nós a lição de Malthus, dinheiro e comida não podem sozinhos solucionar um problema tão complexo. Sem educação, essas pessoas estarão para sempre presas à armadilha malthusiana da pobreza.


Adam Smith e a natureza humana

Bill Gates está doando sua fortuna. Dizem os jornais que ele vai deixar apenas quinze por cento de seu patrimônio para os filhos, o restante irá para instituições de caridade, centros de pesquisa, universidades e coisas do gênero. Seria justo dizer que o fundador da Microsoft é uma pessoa egoísta? Vejamos. Segundo Adam Smith, fundador da Ciência Econômica moderna, todos nós somos essencialmente egoístas. No seu famoso livro, A Riqueza das Nações, Smith diz que não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que ele espera obter o seu jantar, mas sim dos sentimentos egoístas que movem esses indivíduos. É dessa forma que funciona uma economia de mercado: milhares ou milhões de pessoas agindo de forma interesseira, mas involuntariamente e inconscientemente gerando bem estar para a sociedade. Smith percebeu as possibilidades gigantescas de produzir riqueza daquele novo sistema que estava surgindo no final do século XVIII e que hoje nós nos habituamos a chamar simplesmente de capitalismo. Mas será que esse sistema é eficiente? Milhões de pessoas tomando decisões isoladamente parece algo meio caótico. Isso poderia gerar grande abundância em alguns setores e escassez em outros. Smith assegurava que não, que os mercados tinham poder de se auto-ajustarem. A essa crença de que os mercados funcionam de maneira eficiente e harmoniosa, sem a intervenção estatal, passamos com o tempo a chamar de liberalismo.

Bill Gates: bilionário e filantropo

Mas voltemos à questão inicial. Seria justo dizer que Bill Gates é uma pessoa egoísta? De acordo com a teoria de Smith, sim. Gates, ao fundar a Microsoft, muito provavelmente não estava visando ajudar pessoas através da informática. Ele, muito possivelmente, queria ficar rico, talvez rico e famoso, somente isso e mais nada. Mas mesmo assim, agindo de forma interesseira e egoísta, ele acabou dando um impulso gigantesco à informática, principalmente devido à criação do sistema operacional Windows e dos aplicativos do MS Office. Gates foi, portanto, guiado por uma “mão invisível” a proporcionar um enorme benefício à sociedade, coisa que talvez nunca tenha passado pela sua cabeça. Mas o que explica o Bill Gates filantropo? Primeiramente, temos de levar em consideração que os impostos sobre herança nos Estados Unidos são bastante elevados. Norte-americanos, de um modo geral, são diferentes dos escandinavos e não se simpatizam muito com essa idéia de um governo social-democrata, que cobra muitos impostos e devolve muitos serviços públicos. Norte-americanos tendem a ver governos como instituições corruptas e ineficientes. Se boa parte da herança de Gates vai inexoravelmente cair nas mãos do governo, melhor gastar esse dinheiro de forma cuidadosa e eficiente antes que isso aconteça.

Outro fator que explica a generosidade de Gates é que o dinheiro pode aumentar muito o bem estar dos pobres e pouco o bem estar dos muito ricos. Para quem não tem uma casa, ter um ganho monetário que lhe permita comprar um imóvel é um grande fator de aumento de felicidade e bem-estar. Para os muito ricos, as coisas não funcionam dessa maneira. Se um indivíduo tem cinco mansões, uma sexta mansão não vai trazer tanta felicidade assim. Uma sétima, menos ainda. Numa linguagem que só os economistas conseguem entender, o dinheiro tem utilidade marginal decrescente, simplesmente isso.

Finalmente, vem a terceira razão. Ao deixar apenas quinze por cento de sua fortuna para seus filhos, Gates talvez esteja querendo protegê-los de comportamentos indesejáveis. Uma pessoa imatura com muito dinheiro em mãos pode se enveredar pelo caminho da auto-destruição. Apesar de todos esses entretantos, tenho um profundo respeito por Gates e outros bilionários americanos que têm doado parte de suas fortunas. Seria muito bom que esse exemplo fosse seguido por magnatas do mundo inteiro. Mas cabe deixar claro: a filantropia de Gates não refuta a teoria de Smith sobre a natureza dos homens. Nós, seres humanos, somos essencialmente egoístas.

domingo, 28 de dezembro de 2014

Marxismo e natureza humana

Em 1989, tivemos a queda do muro de Berlin. Pouco tempo depois, veio o esfacelamento da União Soviética e o abandono do comunismo por quase todos os países do mundo. Eu me lembro bem do meu sentimento de tristeza, desapontamento e resignação à época. Aquele sonho não era factível e teríamos de nos conformar com as injustiças e perversidades do capitalismo. Surpreendentemente, tantos anos depois da utopia socialista ter fracassado, muitos intelectuais no Brasil e no exterior ainda se declaram marxistas. De um modo geral, pode-se afirmar que no Brasil as idéias de Karl Marx são bem mais familiares a intelectuais e ao público em geral do que as de Adam Smith.

É certo que o capitalismo não conseguiu resolver o problema da pobreza e da desigualdade na maior parte do mundo. Mas, particularmente, acredito que os economistas de tradição liberal, como Smith, Hayek e Friedman têm mais a oferecer no sentido de encontrarmos soluções para esses problemas do que Marx. Depois de muito estudar esse economista alemão, minha conclusão é de que Marx estava errado em quase tudo que escreveu. Seu pensamento é incoerente, obscuro e, por que não dizer, irrelevante nos dias de hoje.

Um grave problema das teorias socialistas de um modo geral, e da marxista em particular, está na crença de que podemos criar uma nova sociedade mudando as pessoas em sua essência. Adam Smith, em 1776, disse que as pessoas são naturalmente egoístas. Essa foi a pedra fundamental sobre a qual todo o pensamento liberal foi erigido. Os marxistas nunca digeriram bem essa idéia de natureza humana. Para eles, o comportamento humano seria fruto de fatores de ordem social. As pessoas são egoístas porque a sociedade capitalista de consumo as tornou assim. Isso nada mais é do que a reverberação de uma idéia muito antiga, a de que o homem é bom, mas a sociedade o corrompe.

O pensamento marxista nunca resistiu bem ao confronto com evidências do mundo real. Vejamos um caso específico. E se pudéssemos voltar ao passado, mais especificamente à pré-história, conseguiríamos encontrar uma resposta para a existência ou não de uma natureza humana? Pois bem, essa volta ao passado é possível e foi feita pelo antropólogo Jared Diamond. Após conviver durante anos com povos tribais na Papua Nova Guiné, Diamond chegou a uma conclusão que talvez desaponte muitos marxistas, socialistas e comunistas. Esses povos primitivos que não sabem o que é capitalismo e provavelmente nem mesmo o que é propriedade privada são mais violentos que as pessoas civilizadas dos dias de hoje. Segundo Diamond, era mais seguro viver na Alemanha do século XX do que entre os tais “bons selvagens”.

Povos tribais de Papua Nova Guiné

As pessoas são egoístas e isso advém da própria natureza. Não é o capitalismo que nos corrompe. Nós, infelizmente, já nascemos corrompidos. Qualquer tentativa de criar uma outra sociedade baseada na cooperação, bondade e generosidade humanas irá redundar em enorme fracasso. Isso não significa que eu seja contrário a atos de cooperação, bondade e generosidade. Eu aprovo e admiro pessoas que agem dessa maneira. Não acredito, porém, no sucesso de qualquer tentativa de moldar a mente humana e incutir esses sentimentos forçosamente nas pessoas. Os socialistas concluíram o contrário. Isso explica em parte o fracasso das economias planificadas e já é para mim motivo suficiente para rejeitar o pensamento marxista. Mas para muitos ainda não. Apesar de tantas provas de que esse sistema não funciona, algumas pessoas insistem em acreditar no socialismo. Parece que não somente o egoísmo, mas também a teimosia faz parte da natureza humana.