Bill Gates
está doando sua fortuna. Dizem os jornais que ele vai deixar apenas quinze por
cento de seu patrimônio para os filhos, o restante irá para instituições de
caridade, centros de pesquisa, universidades e coisas do gênero. Seria justo
dizer que o fundador da Microsoft é uma pessoa egoísta? Vejamos. Segundo Adam
Smith, fundador da Ciência Econômica moderna, todos nós somos essencialmente
egoístas. No seu famoso livro, A Riqueza das Nações, Smith diz que não é da
benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que ele espera obter o
seu jantar, mas sim dos sentimentos egoístas que movem esses indivíduos. É
dessa forma que funciona uma economia de mercado: milhares ou milhões de
pessoas agindo de forma interesseira, mas involuntariamente e inconscientemente
gerando bem estar para a sociedade. Smith percebeu as possibilidades
gigantescas de produzir riqueza daquele novo sistema que estava surgindo no
final do século XVIII e que hoje nós nos habituamos a chamar simplesmente de
capitalismo. Mas será que esse sistema é eficiente? Milhões de pessoas tomando
decisões isoladamente parece algo meio caótico. Isso poderia gerar grande
abundância em alguns setores e escassez em outros. Smith
assegurava que não, que os mercados tinham poder de se auto-ajustarem. A essa
crença de que os mercados funcionam de maneira eficiente e harmoniosa, sem a
intervenção estatal, passamos com o tempo a chamar de liberalismo.
Bill Gates: bilionário e filantropo
Mas
voltemos à questão inicial. Seria justo dizer que Bill Gates é uma pessoa
egoísta? De acordo com a teoria de Smith, sim. Gates, ao fundar a Microsoft,
muito provavelmente não estava visando ajudar pessoas através da informática.
Ele, muito possivelmente, queria ficar rico, talvez rico e famoso, somente isso
e mais nada. Mas mesmo assim, agindo de forma interesseira e egoísta, ele
acabou dando um impulso gigantesco à informática, principalmente devido à
criação do sistema operacional Windows e dos aplicativos do MS Office. Gates
foi, portanto, guiado por uma “mão invisível” a proporcionar um enorme
benefício à sociedade, coisa que talvez nunca tenha passado pela sua cabeça.
Mas o que explica o Bill Gates filantropo? Primeiramente, temos de levar em
consideração que os impostos sobre herança nos Estados Unidos são bastante
elevados. Norte-americanos, de um modo geral, são diferentes dos escandinavos e
não se simpatizam muito com essa idéia de um governo social-democrata, que
cobra muitos impostos e devolve muitos serviços públicos. Norte-americanos
tendem a ver governos como instituições corruptas e ineficientes. Se boa parte
da herança de Gates vai inexoravelmente cair nas mãos do governo, melhor gastar
esse dinheiro de forma cuidadosa e eficiente antes que isso aconteça.
Outro fator
que explica a generosidade de Gates é que o dinheiro pode aumentar muito o bem
estar dos pobres e pouco o bem estar dos muito ricos. Para quem não tem uma
casa, ter um ganho monetário que lhe permita comprar um imóvel é um grande
fator de aumento de felicidade e bem-estar. Para os muito ricos, as coisas não
funcionam dessa maneira. Se um indivíduo tem cinco mansões, uma sexta mansão
não vai trazer tanta felicidade assim. Uma sétima, menos ainda. Numa linguagem
que só os economistas conseguem entender, o dinheiro tem utilidade marginal decrescente,
simplesmente isso.
Finalmente,
vem a terceira razão. Ao deixar apenas quinze por cento de sua fortuna para
seus filhos, Gates talvez esteja querendo protegê-los de comportamentos
indesejáveis. Uma pessoa imatura com muito dinheiro em mãos pode se enveredar
pelo caminho da auto-destruição. Apesar de todos esses entretantos, tenho um
profundo respeito por Gates e outros bilionários americanos que têm doado parte
de suas fortunas. Seria muito bom que esse exemplo fosse seguido por magnatas
do mundo inteiro. Mas cabe deixar claro: a filantropia de Gates não refuta a
teoria de Smith sobre a natureza dos homens. Nós, seres humanos, somos
essencialmente egoístas.
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